Depois do Vira, que Fandango?
1 - Há algo em política que desaprendi com a chegada à Comissão Europeia de Durão Barroso: acreditar que haja, com tipos destes, um caminho futuro para uma Europa mais justa, mais social, mais distributiva, mais equitativa. Hoje, acabado o cargo, com uma reforma bojuda, regouga discursos pagos por esses locais da Europa Comunitária. Esperou que houvesse uma vaga de fundo, na direita portuguesa, que o candidatasse a Presidente da República, já que os europeus já estavam pelos cabelos com o seu vira tecnocrático. Mas, com um Marcelo Rebelo de Sousa a lançar a sua candidatura há mais de dois anos no seu tempo de antena de domingo na TVI, descobriu que este, pelo menos, se se purificara no passado nas águas do Tejo, hoje, com fama de mal dormido, ir a todas, ler tudo o que lhe caísse nas mãos, hipocondríaco que baste, se transformara num profeta bíblico da social-democracia. Não havia lugar para dissidentes, muito menos para defensores da invasão do Iraque protagonizada pelo ex-presidente americano Bush, nos Açores. Barroso meteu a viola no saco e não creio que arranje espaço para algo mais que tartamudear a espuma dos dias. Parece que já conseguiu arranjar um cargo para o filho no mundo das administrações que bem conhece, que, em política, é necessário prevenir que o futuro familiar esteja protegido e acima dos reais necessidades do cidadão comum.
2 - Jurei que não iria perder mais tempo com as legislativas. Entre o que Cavaco Silva congemina e o que eu penso vai um abismo que tem décadas.
Já ouviu todos os partidos com assento na Assembleia da República. Vai tomar uma posição, hoje, quarta-feira não, porque há jogo televisivo com o Benfica. Se insistisse, ficaria como o Padre António Vieira, depois de ver que Santo António não conseguia pregar os seus sermões aos homens, optou por pô-lo a discursar aos peixes. Claro que é muito clara a opção do Presidente. A reunião da direita europeia em Madrid, para dar força a Rajoy, que se vê em engulhos com o independentismo multissecular da Catalunha, com Angela Merkl, Nicolas Sarkozy, Jean Claude Junker, a que se juntou Passos Coelho, é um letreiro muito publicitário a favor da Coligação PAF. Como a Espanha só em Dezembro terá a sua opção de mudança, até lá a escolha presidencial de Cavaco Silva está feita. Passo Coelho será indigitado primeiro-ministro e apresentará um governo e um programa no Parlamento. No fundo, apalpa-se o pulso a um PS, onde, se se ceder aos ódios tribais, e parte dos deputados, como a direita deseja, votar contra a directriz do partido, a coligação governará em mar de tempestade durante algum tempo. Todavia, o PS entraria em implosão. Nenhum português compreenderia que um Partido que recusou sempre a política da coligação, votasse o seu programa, que não passa de mais do mesmo. Os jogos que se conhecem, já no campo das eleições presidenciais, mostram bem a fragilidade do PS, onde o mata mata é o jogo por excelência, onde o rosto A anula o B, mesmo que o Partido se transforme num grupo de aldeia de amadores de chinquilho, a ver na televisão o adversário a tomar posse do poder.
Algo está a mudar na consciência dos cidadãos, não só em Portugal, mas na Europa. O ciclo da austeridade como forma de desenvolvimento económico revelou-se cada vez mais defensor duma Comunidade de cidadãos empobrecidos a encher os cofres fortes camuflados de minorias cada vez mais ricas, à custa da exploração e do sofrimento das suas populações. As vozes tornam-se cada vez mais audíveis, os movimentos de cidadãos exigem o seu poder de intervenção a par dos partidos tradicionais. A realidade, com o exemplo da incapacidade comum da Europa ante a vaga de refugiados fugindo de guerras que os traficantes de armas europeus e americanos criaram, é um caminho em declive para um renascer das xenofobias e dos nacionalismos mais retrógrados.
Os partidos de esquerda e centro esquerda, na Europa, mais cedo que em Portugal (anda sempre com um atraso de 50 anos) apercebem-se disso. E querem virar a página a um divórcio, afirmando-se, na cena europeia, como membros legítimos duma alternativa, aliás com representação eleitoral no Parlamento Europeu. Caminho difícil, reconheça-se, mas que não admite retornos.
Portugal não pode isolar-se no seu mundo claustrofóbico de fantasmas, em que o fascismo nacionalista e colonialista salazarista e marcelista ainda revivem, embora com outras formas, imagens, linguagens, personalidades.
Creio que Cavaco Silva nunca teve capacidade para perceber o seu papel constitucional.
Portugal ainda não é um país democrático.
António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt