Que esquerda para este terror europeu?
Duas semanas depois, próximo de mês de Agosto, se descontar o assobio do vento do Norte que me entra sem rebuço casa dentro, um nada de nadas responde à minha busca de novidades concelhias. Do país não falo. Deixei de ver os noticiários e os comentadores dos quatro canais públicos e dos do cabo. A desverdade assumiu regras de domínio. O governo, por tudo e por nada, surge na sua venda de fancaria. Esconde o facto de Portugal, que vai entrar em eleições em Outubro, já não ser um país, antes uma colónia da Comunidade Europeia.
A chantagem que aquela fez com a Grécia acabou com a imagem democrática e solidária da Europa. O desrespeito para com um referendo, que levou o Syriza a uma humilhação sem precedentes, obrigando-o a gerir uma política contra a qual lutava, afastou-me em definitivo deste ideal europeu que os partidos do arco da governação (CDS, PSD,PS) têm, como cartaz do patrão, escrito no seus programas eleitorais do colonizado.
Nenhuma promessa assenta numa realidade concreta, antes num condicionalismo possibilitado pela política do expansionismo germânico.
O voto nestes partidos é um acto perfeitamente inútil, porque não influencia nada - nem os eleitos, nem a Assembleia Nacional, nem o Governo. De antemão, os limites económicos e administrativos do colonizado estão inscritos subliminarmente nos programas de ilusões com que o circo eleitoral nos pretende envolver.
O desemprego, não descerá dos 10% nos próximos 20 anos, a miséria continuará crescente na preocupação caritativa das entidades de solidariedade religiosas e laicas , a igreja , pela influência do papa Francisco, avisa contra a vampirização do capitalismo, com ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez em maior número próximo do limiar da pobreza, mas não vejo a Igreja desfazer-se dos seus bens em favor dos desamparados ou lançar a sua arma mais poderosa, a excomunhão papal, sobre os países , políticos, associações financeiras, que, quais abutres, se alimentam da carniça dos campos da miséria.
A destruição do factor social, que era o equilíbrio da balança da luta contra a desigualdade através da intervenção do Estado nos vectores estruturantes da sociedade, conduziu a identidade nacional a dois países impossibilitados de coincidirem: o televisivo, centrado em Lisboa, até ao Guincho, onde se pagam milhões para desinformação do cidadão nacional, onde perpassam administradores que já foram ministros, secretários de estado a vender a banha da cobra governamental, comentadores que já foram outras coisas nos partidos do centro á direita. Pelos ecrãs perpassa uma economia em crescimento, uma escola formidável, uma cultura como poucas no planeta, uma serviço nacional de saúde tão bem implantado, que é procurado com segurança por todas as figuras públicas, uma justiça em que os processos se resolvem dentro dos prazos normais e o cidadão acredita na sua isenção, competência, luta contra a corrupção, uma transparência de carácter que por tudo e por nada Barrosos e Cia são galardoados pela nata da Universidade com doutoramentos Honoris Causa e comendadores de obra desfeita no 10 de Junho dum Camões sempre à míngua pelas vilezas do poder.
O outro país, definido pelas fronteiras da primeira dinastia, que vai do Minho ao Algarve, que não é televisivo, jornalizado, radiofundido, fica fora das intenções reais dos actuais partidos políticos do arco da governação, bem mais preocupados com as suas relações com os fundos europeus e os seus interesses pessoais e profissionais, do que com a massa anónima a que chamam nos discursos povo, a quem oferecerão bandeirinhas, sabonetes, bonés de praia, cachecóis, papéis impressos, no tempo que anteceder as eleições de Outubro.
Esta vive num país empobrecido, vendido ao desbarato ao capitalismo multicolorido, que vai da finança sem rosto, ao angolano e chinês, herdeiros do maoismo e do marxismo-leninismo-estalinismo . Viu retroceder, em poucos anos, o que cria ser um mundo estável conquistado pela democracia: o emprego, a educação e futuro dos filhos, a casa comprada pelo aliciamento bancário com o apoio governamental e presidencial, os preços dos géneros, da luz, da água, dos transportes, dos livros escolares, a implosão do vencimento ou da reforma, taxadas com impostos crescentes e sucessivos, para pagar os juros acrescidos dos empréstimos da dita solidariedade europeia. Um outro país, fora da governação.
Nos momentos eleitorais a lavagem ao cérebro acentua-se. O cinto desaperta-se, surgem as promessas da descida do IRS, de verbas para a formação para aldrabarem as estatísticas do desemprego, das festas municipais que os partidos localmente cumprem, para diminuição do stress traumático que é o quotidiano de sobrevivência.
O país parece ganhar, nestes momentos de farsa vicentina, uma imagem de feira da ladra, com tanta loja chinesa a rivalizar com a economia paralela que se transformou, da banca ao estado, da agricultura à indústria, das telecomunicações aos transportes, das auto-estradas à construção civil, no emblema da lapela nacional do desenvolvimento que, com tanta fanfarra, só os cegos que somos estupidamente não vêem.
Mas, curiosamente, de tanta riqueza não declarada, de tanto imposto pago noutros países, de tantos valores circulando em off-shores, os serviços de informação, as polícias específicas, os tribunais, parece terem ficado em estado de virgindade monástica, tão avessos ao inquérito, à denúncia, à prisão. Acredite o leitor: é mais fácil o Autor destas linhas ser processado por desrespeito e abuso de liberdade de imprensa, que a justiça ser aplicada com celeridade e penalizadora, aos criminosos corruptos deste país.
Por isso sofri a humilhação grega, em que Portugal alinhou, como uma derrota dos princípios da dignidade humana. Por isso percebi que a minha pátria não passa, como hoje a Grécia, em que multimilionários e artistas de cinema compram ilhas a preço de saldo, duma colónia onde tudo se vende, a igual despreço. Em tempos de crise, a agiotagem manobra, com o apoio dos seus empregados de fraque.
Portugal deixou de existir como pátria nesta Europa do euro germânico.
Falta-nos, infelizmente, uma esquerda com princípio, meio e fim, como alternativa ao que o neoliberalismo destruiu -uma democracia social. Uma esquerda que fizesse renascer os partidos que a destroem com as suas estruturas centralizadoras e os seus dirigentes vitalícios e as suas ideologias sistematicamente derrotadas.
Para que nos não aconteça o que aconteceu ao Syriza.
Para que ainda valha a pena acreditar que haverá um outro futuro para os nossos sucessores.
António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt