o riachense

Segunda,
09 de Dezembro de 2024
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António Mário Lopes dos Santos

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Cidade Minha, Cidades Vossas

1 - No dia em que escrevo a Câmara maioritária socialista dirigida por Pedro Ferreira inicia a comemoração dos 30 anos da passagem de vila a cidade. Definira não há muito que substituiria as festas da cidade pelas festas medievais. Mas, como se comemorava uma data redonda, ainda por cima em ano eleitoral, além de se aproximar o meio do mandato, resolveu dar o dito por não dito, tendo regressado às festas da cidade, de 8 a 12, no Jardim das Rosas. Não vou perder muito tempo com um programa que desconhece, primeiro, a história dum aniversário, ignorando a vereação, felizmente, constituída por gente ainda viva, que preparou e assinou essa mudança, que a actual vereação comemora, como uma visita para turistas, daquelas que nos enfiam nas caixas do correio com promoções de produtos numa das sessões da viagem; segundo, a própria história concelhia, as suas transformações, projectos, concretizações, rupturas, retrocessos; terceiro, para a concretização das festas do Jardim das Rosas, impede-se a deslocação viária diária dos cidadãos às piscinas e biblioteca municipais, sem nenhuma informação pública atempada, com o objectivo da montagem dos caixotes anacrónicos dos petiscos, que são de facto o chamariz essencial da cultura socialista concelhia. Poderia ter proposto uma feira do livro, uma mostra de pintura, uma exposição de fotografia, de autores torrejanos. Uma leitura de poesia. Uma apresentação das bandas do município. Um debate sobre os trinta anos da cidade Outro sob o associativismo, que foi um dos maiores trunfos do concelho, desde o século XIX. Aproveitar a festa para exigir publicamente e num directo televisivo, a reposição de qualidade que tinha, há 20 anos, o Hospital Distrital de Torres Novas, hoje transformado em estação de trânsito sem destino definido.

Para infelicidade nossa, o feudalismo conservador da mentalidade da maioria socialista ignora -como sempre o fez nos últimos vinte anos - que há um tempo antes e haverá um tempo depois deste presente, em que o NIM terá de ser substituído, obviamente, pelo transparência do sim ou do não.

2 - Foi a enterrar, hoje, uma mulher, fundadora do Partido Socialista, chamada Maria Barroso, que tive a honra de conhecer, em 1969, numa sessão eleitoral da CDE, no Virgínia, como candidata do Distrito de Santarém, com António Reis, o penúltimo grão mestre do Grande Oriente Lusitano, deputado do PS, coordenador do estudo Portugal Contemporâneo. Não tive mais contactos, mas sempre lhe segui o percurso, político e social. Ao referi-la, prestando-lhe a minha homenagem como mulher, como mãe, como cidadã, lembro-me da poesia que recitava, de Manuel da Fonseca, a David Mourão Ferreira, a Gastão Cruz, só para citar alguns, do que esses versos, em si representavam - um combate pela transparência, um combate pela dignidade, um combate pela história e futuro dum povo amordaçado. Tão actuais, hoje.

3 - Torres Novas, além da salazarenta história oficial, teve outras, mais amplificadoras que, em casos extremos, conduziu dezenas de cidadãos portugueses às cadeias do Aljube, de Peniche, de Caxias. Lutava-se pela democracia contra o fascismo. Onde estão guardadas, para as gerações vindouras, essas histórias, esse reconhecimento de que, pelo seu sofrimento, Torres Novas se fez vila, se fez cidade? Que proporcionou haver, depois de Abril, eleições e gestores autarcas representantes dos partidos políticos que se candidatam às diversas formas constitucionais do poder?

4 - Os trinta anos não deveriam ter servido para, além da politiquice estreita e hipócrita do partidarismo, reconhecer o valor e o trabalho das associações e colectividades que - de forma gratuita, senhores vereadores! - defendem e honram social e colectivamente o nome da cidade?

5 - Comentam-me alguns amigos que a gestão autárquica de Pedro Ferreira é diferente da de António Rodrigues. A experiência social e colectiva do primeiro é, de longe, diferente da do segundo. O seu modo de interagir com a sociedade permite uma forma mais serena de contacto. Transparente? Sincera? Continuo a escrevê-lo: enquanto se não fizer a radiografia dos vinte anos de gestão absoluta, por muito boas intenções que hoje encham o coração de Pedro Ferreira, não farão esquecer os percalços duma gestão cheia de gramofones propagandísticos e com tantos bicos de obras e perguntas nunca respondidas, de que fez parte integrante, comprometida, responsável, protegidas por uma maioria de deputados municipais. Enquanto não existir uma auditoria a esses vinte anos, externa, isenta, será difícil aceitar o pacote de açúcar que empobreceu na educação, na cultura, na saúde, na democracia, esta cidade, ao comemorar os seus trinta anos.

Talvez por isso o programa das festas, além das tasquinhas do copo e do petisco, assente num programa musical que traz bons executantes, mas não responde a nenhum dos sérios, complexos, graves, problemas da cidade e do concelho.

Continuo a chamar-lhe, sem eufemismos, lavagem ao cérebro.

6 - O não grego à política da Troika, no meio das mais inacreditáveis chantagens que governos democratas cristãos, sociais democratas e socialistas, fizeram a um povo, encostado à parede da sua já profunda sobrevivência, explorado pelos privilégios da riqueza dos armadores, da Igreja ortodoxa e o poder sempre ameaçador das forças armadas, com o conluio dos bancos franceses e alemães, revela as razões porque a democracia, como a poesia, nasceram na Grécia. Não foi esta que falhou, mas a política das elites europeia, sob a batuta da Alemanha, para a União Europeia. Uma Europa Democrática, Solidária, Social, ao serviço dos povos, em defesa dos grandes valores da humanidade, teria libertado a Grécia do célebre título dum dos romances de NiKos Kazantzakis: Liberdade ou Morte. As encruzilhadas gregas não nasceram com o Syriza. Procuremo-las no tempo da monarquia, dos privilégios do clero e da nobreza militar, dum povo explorado. Mais tarde, na ocupação nazi, na resistência, nos traidores. No que lhe seguiu e a fez regredir a um tempo dum povo colonizado pela ganância das finanças europeias.

7 - A 7 de Julho, ao receber o Prémio Camões pela sua obra literária, Hélia Correia, num texto que mereceria ser lido em todas escolas de língua portuguesa, a certa altura, escreveu: «Na Idade Média que nos ameaça não há cancioneiros nem reis poetas. Na ditadura da economia, a palavra é esmagada pelo mundo, A matemática, que começou nobre, aviltou-se, tornando-se lacaia. Se a literatura salva? Não, não salva. Mas se ela se extinguir, extingue-se tudo». E, concluindo: «Eu dedico este prémio a uma entidade que é para mim pessoalíssima, à Grécia, cuja voz ainda paira sobre as nossas mais preciosas palavras, entre as quais, quase intacta, a poesia. Dedico à Grécia, sem a qual não teríamos aprendido a beleza, sem a qual não teríamos nada ou, no dizer da Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, «não seríamos nada»1.

8 - Cidade minha, cidades nossas?

Esta não é a cidade que ajudei a construir. Este não é o meu programa de festas na cidade.

A minha história não coincide com este caminho.

As minhas perguntas só geram silêncio.

Cidade minha? Ou cidades vossas? 

 

1 - Professora de Cultura Clássica da Universidade de Coimbra, autora de vasta obra sobre estudos clássicos, como, os Estudos de História da Cultura Clássica I e II, ed. da Fund. Calouste Gulbenkian.

 
8 de Julho de 2015
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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt

Actualizado em ( Quinta, 09 Julho 2015 11:41 )  
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