o riachense

Sexta,
11 de Outubro de 2024
Tamanho do Texto
  • Increase font size
  • Default font size
  • Decrease font size

Os milagres de Maria da Rosa

Enviar por E-mail Versão para impressão PDF
 
Carlos Manuel Pereira

Em 10 de Setembro de 17461, a Inquisição deu ordem para que Maria da Rosa, moradora no Espargal da freguesia de Santiago, fosse presa e entregue no cárcere secreto do Santo Ofício em Lisboa, onde deu entrada sete dias depois.Vamos ver como os Inquisidores Apostólicos contra a herética pravidade e apostasia na Cidade de Lisboa e seu distrito2 descobriram uma pobre e infeliz rapariga, perdida no meio de nenhures, que dizia ser natural do lugar da Brogueira e que tinha de idade dezassete anos que fez em domingo da rosa3.
 
A Maria da Rosa vivia com a avó num casal perto do casal dos Castelos onde morava um tal Vicente Simão que terá feito chegar ao prior da freguesia a notícia do milagre duma imagem de cristo que suava água e sangue. O prior terá mandado o padre cura averiguar se seria milagre verdadeiro ou se seria algum fingimento. O cura, quando se deslocou ao casal, terá incumbido um vizinho homem temente a deus e outras pessoas mais que se pusessem ao pé da dita imagem e que não deixassem chegar pessoa alguma ao dito altar e observassem com muito cuidado se corria da dita imagem algum suor ou sangue, e estando as ditas pessoas mais de vinte e quatro horas ao pé da dita imagem, vigiando o que lhe estava encomendado, viram que não correu mais água alguma nem sangue. Entretanto o prior, por lhe constar que as pessoas continuavam a ir ver o milagre e parecendo-lhe que tudo era fingimento e embuste, para evitar irreverências, mandou buscar a dita imagem e a pôs no seu oratório com decência e não houve mais demonstração alguma nem de suor nem de sangue. Acrescentou também o prior que a avó era pessoa de pouco juízo e capaz de ser enganada pela neta e que esta também de pouca capacidade, com dezasseis ou dezassete anos de idade, e andar com grande ânsia de casar com um moço seu vizinho das Vendas cujo moço também queria casar com ela, e como a mãe do dito moço não quer que este case com ela, parece-lhe que a Maria da Rosa fazia aquele fingimento para ver se persuadia a mãe do moço que ela era pessoa de virtude e quisesse de boa vontade que seu filho casasse com ela. Os testemunhos de vários vizinhos falam também dos cheliques que a Maria da Rosa tinha na presença deles e que eram sete almas que tinham entrado nela e estavam à espera de serem salvas e para isso reclamavam o cumprimento de várias promessas. Segundo a própria Maria da Rosa, o padre eterno vinha a sua casa para a ensinar a ler e, acompanhado de anjos, para dizer missa. Enfim, tudo lenha para se queimar.
 
Para a Inquisição não bastavam os testemunhos porque o que lhes interessava era ouvir da ré uma confissão declarando a verdadeira intenção que teve em cometer os crimes. E se o fez para introduzir, como se presume com seus escandalosos fingimentos, erros e doutrinas novas opostas às verdades de nossa santa fé católica. A Inquisição temia o perigo da subversão da fé católica.
 
Maria da Rosa, após três meses de cárcere (das torturas não ficou registo), confessou que achando-se ela em companhia de sua avó materna, passando muitas e gravíssimas necessidades, não tendo com que as poder remediar e vendo-se também abatida e desprezada de todos por causa da sua muita pobreza, entrou no pensamento de fingir alguma cousa de que se pudesse ficar entendendo que ela era mulher santa e virtuosa e particularmente favorecida de deus porque desta sorte poderia conciliar respeito e veneração de todos ficando mais estimada e seria também favorecida com largas esmolas de que muito necessitava.Como a confissão não agradou ao senhor inquisidor, lá voltou ao cárcere por mais seis meses, findos os quais voltou à presença do inquisidor para insistir que não teve outra intenção senão a que já tinha confessado. 
 
Após mais três meses de insistências para que confessasse toda a verdade para descargo de sua consciência e salvação de sua alma, ela manteve a mesma confissão e, finalmente, é mandado que vá ao auto público de fé e nele ouça sua sentença. Será açoitada pela ruas públicas desta cidade e a degradam por tempo de três anos para a cidade de Leiria.Publicada foi a sentença à ré Maria da Rosa no auto público da fé que se celebrou em os 24 dias do mês de setembro de 1747, estando presentes el-rei nosso senhor dom João o 5º muita nobreza e povo. 
 
Não consta, por pesquisa nos registos paroquiais, que a Maria da Rosa tenha voltado para Torres Novas após cumprir o degredo em Leiria. 
Uma coisa é certa, se o céu dos católicos existe, se a justiça divina é mais decente que a da Inquisição, se a Maria da Rosa não decidiu, por exemplo, candidatar-se ao céu de outra religião, certamente, passados 200 anos, terá deixado o purgatório a caminho do céu, após o papa João Paulo II ter apresentado no ano 2000 um pedido de perdão pelos erros cometidos pela igreja católica ao longo da sua história.

1 - O processo por ser consultado em:  http://digitarq.dgarq.gov.pt/ com a referência: PT/TT/TSO-IL/028/08104
2 - As partes de texto em itálico foram extraídas do processo.
3 - Refere-se ao 4º domingo da quaresma.
 
{highslide type="img" height="200" width="300" event="click" class="" captionText="" positions="top, left" display="show" src="http://www.oriachense.pt/images/capa/capa801.jpg"}Click here {/highslide}

Opinião

 

António Mário Lopes dos Santos

Agarrem-me, senão concorro!

 

João Triguinho Lopes

Uma história de Natal

 

Raquel Carrilho

Trumpalhada Total

 

António Mário Lopes dos Santos

Orçamentos, coisas para político ver?
Faixa publicitária
Faixa publicitária
Faixa publicitária
Faixa publicitária