o riachense

Sexta,
11 de Outubro de 2024
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O Retornado

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Se dissermos que vamos ao Café 1.º de Maio, se calhar pouca gente saberá onde é. E ainda hoje há pessoas que chamam ao ‘Retornado’ o Café do João ‘Soisa’.
 
A fronte do edifício na rua Entre Poços exibe a data da inauguração da antiga taberna naquele local por João Sousa Figueiredo, a 22/2/1955. O alvará de café é só de 1961 e foi comprado a um homem da Brogueira, que naquele tempo não era fácil tirar novos alvarás. Algures na primeira metade da década de 1970, João Sousa teve um acidente e adoeceu. Ainda estava o dono original vivo quando passou a ser o Café da Ti Maria que, poucos anos depois, o trespassou ao actual dono, António Gonçalves (o retornado), para abrir o Tronco, na rua do Correio, que o seu filho Manuel geriu até há poucos anos.
 
Um ancião da vila afiança-nos que o João Sousa era um homem popular, de respeito e inteligente. Esta característica sobressaía no negócio, próspero e diversificado, e também na forma como geria o espaço: quando às vezes os ânimos se exaltavam havia brigas, mas “quando o João Soisa levantava a voz, a malta baixava logo a bolinha”.
 
Outros relembram as noites de quinta-feira, em que o café ficava completamente cheio de homens para ver as touradas na televisão, “no tempo do Américo Thomaz”. Como é o caso do filho, José Dias Figueiredo, residente em Setúbal, que refere que o espaço abriu como taberna, na porta situada entre a antiga oficina de sapateiro do Carlos Simões e o actual café e que hoje serve de armazém. Era ali que as pessoas iam comer e beber, em particular muitos trabalhadores e clientes dos Luzes: muita gente de fora vinha ali ao peixe. Depois passou para café e chegou também a ser talho (matavam-se os porcos nas traseiras) que, em conjunto com o João da Vaca, abastecia a vila de carne.
 
Longe vão os tempos em que os motoristas dos Luzes iam lá com a léria do costume: “dá aí um café para 100 km”, lembra José Figueiredo.
Agora, finda a época da casa de petiscos, O Retornado é conhecido pelos caracóis. “O caracol já não é o que era”, responde a senhora Rosa quando lhe perguntamos se este ano vai ter caracóis até ao fim de Setembro. Dantes, o s’Toino ia a Liteiros e a Ourém buscar o caracol, que apanhavam por lá, agora é um comerciante que o vem entregar. Apesar de a receita ser a mesma, queixam-se de que o caracol agora é magro, seco e tem pouca gordura, às vezes até amarga.
 
O actual dono é António Rosa Gonçalves, natural de Freixianda, e a mulher, Rosa Batista, é de Alvaiázere. Saíram de Angola em 1975, de perto de Nova Lisboa, na província de Huambo, onde deixaram tudo: fazendas, camiões, tractores, animais e todo o negócio de pecuária e comércio. O mundo parece ter dado uma volta completa: o filho, Paulo, emigrou há poucos anos para lá e chegou a reencontrar, no sítio onde nasceu, pessoas conhecidas dos pais. “Eu, se fosse novo? Ia-me já embora deste país”, diz António Gonçalves, amargurado pela sangria de gente que observa em Portugal.
 
Em 1975 vieram viver para a quinta da Capa Rota, no concelho de Santarém. Ali, um homem de Riachos disse-lhes que o Café 1.º de Maio estava a trespasse. ‘O Retornado’ abriu em 1977 e apanhou ainda muitos anos da vivacidade que os Luzes davam àquela zona da vila.
 
Antigamente, a senhora Rosa cozinhava petiscos todos os dias: febras, dobrada, codornizes, molhinhos, pataniscas, entre outras iguarias. Hoje é quase só os caracóis no verão e uns pastéis de bacalhau que vão servindo para ajudar a empurrar umas taças de tinto que ainda se vão vendendo. O vinho continua a ser o da casa, pelo menos até ao Natal é o que se bebe, depois disso tem de reabastecer. Na carismática mesa ao pé da porta, onde se continuam a juntar os clientes mais velhos, era frequente servir 50 taças a meia dúzia de homens numa só tarde.
 
Quando a empresa de comércio de peixe fechou, o negócio não decaiu logo. Ainda antes já tinha começado a aparecer uma freguesia diferente, com mais mulheres e famílias e não só homens, diz-nos o s’Toino. Depois, a partir de meados da década de 1990, houve uns anos em que surgiu um certo entusiasmo pelo Retornado, muita rapaziada nova sentia-se atraída pelas imperiais mais vivas do Ribatejo e pelo espírito de taberna típica. Estava sempre impecavelmente limpa, mas com o cheiro a cerveja e a vinho permanentemente a pairar. Era ali que muitos começavam as noites: “há dez anos atrás isto era um pandemónio aos fins-de-semana”, diz o taberneiro a sorrir.
 
Hoje há menos clientela, mas aos sábados e domingos à tarde, no verão, normalmente não há mesas livres, todos os dias sai uma panela de caracóis, O Retornado é um centro de atracção para o amante do caracol regional.
 
Agora, ele com 79 anos e ela com 70, acham-se velhos e cansados e desertos para que apareça alguém para pegar no negócio. Apesar de não ser propriamente uma taberna das antigas, o Retornado representa o fim do ciclo das tabernas em Riachos, pois é dos últimos espaços que ainda mantêm viva essa aura.
 

Actualizado em ( Quarta, 22 Outubro 2014 10:16 )  
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