Os sete pecados mortais de há vinte anos
Pensara a crónica desta semana iniciá-la pelo balanço que a CDU/PCP fez , no dia 6, em conferência de imprensa, sobre um ano da gestão autárquica do Pedro Ferreira, usando as regras bíblicas, ao considerar os sete pecados mortais do PS à frente da Câmara de Torres Novas. «Descredibilização, Irresponsabilidade, Isolamento Político, Incompetência, Ilegalidades, Passividade e Falta de Cultura Democrática». Uma fotografia vale mais do que mil palavras. A do Almonda mostra seis responsáveis da CDU/PCP num momento de risota pegada, como se os temas que focavam pudessem ser invocados com alguma leveza. Os temas são graves, como os sete pecados, que são menos da acção governativa de Pedro Ferreira e mais da gestão dos últimos vinte anos. A ponto de eu não compreender, a não ser que aceite o que leio nos artigos de Maria José Morgado no semanário Expresso, porque não intervém o Ministério Público, após acusações do teor das apresentadas na conferência de imprensa, mesmo que estes aguardem a resposta do Presidente da Assembleia aos seus requerimentos, antes de irem ao Ministério Público, Provedor da Justiça e demais entidades competentes para denunciar a situação.
Mas há dias que o quotidiano nos incomoda de forma muito mais duramente e os pecados mortais aviltam o dia a dia das pessoas comuns, com anos de trabalho e de responsabilidade, desprezadas por não se submeterem à mediocridade generalizada dos responsáveis intermédios ou directores associativos agarrados aos cargos com o adesivo da mentalidade da impossibilidade de substituição.
Hoje, num diálogo e num telefonema, o filme duma luta de muitas dezenas de anos passou numa sessão contínua de incomodidade ante o regresso da mentalidade policiada dos cidadãos. Um amigo que, sendo reformado, voluntário num trabalho que o apaixonava, é posto de lado, com o argumento de que a sua situação, ilegal (?), pode estar sujeita a denúncia, embora não incomodasse se mudasse de sector - o que não passa dum pretexto persecutório duma mentalidade pidesca que controla pelo medo o funcionalismo público, como se fazia no passado fascista.
Um telefonema, em que um amigo me interroga sobre o passado duma associação, sendo ele presidente da Assembleia Geral, mas mostrando um profundo desconhecimento do cumprimento do cargo que ocupou e da ilegalidade em que a colectividade estatutariamente se encontra, ao ponto de, não ele, honra lhe seja feita, que despertou para o novelo que, sem se aperceber, o envolvia, se tentar branquear o estado a que chegou com alterações de estatutos, como se houvesse por detrás uma mão de poder que desconstruísse os seus objectivos para cumprimento de interesses pessoais.
Felizmente, um terceiro amigo desanuvia-me a cinza do dia, ao enviar-me documentação importantíssima sobre o século XIX, existente nos arquivos da Torre do Tombo e no Ministério das Obras Públicas, que irão fazer parte dum estudo em vias de conclusão, o que melhora o lado negro em que me sentira mergulhar neste quotidiano de miséria moral onde um treinador da selecção nacional consta ganhar 100 mil euros ante a cumplicidade geral dum país e dum povo que só sabe cantar o hino nacional nos campos de futebol.
De há vinte anos para cá vi desaparecer as estruturas económicas, sociais, dum concelho, pelas quais, com outros, me bati, a troco dum empreendorismo que encheu muitos bolsos e dum povo que, centenariamente analfabeto e de memória curta, continuou a ladaínha do servilismo, do desenrasca oportunista e da resignação, ante o recuo das conquistas democráticas que os partidos do bloco central transformaram em dádivas misericordiosas e bem descriminadas consoante o grau de sujeição. Vi morrer amigos, desistir outros, ante a lavagem diária das dúvidas possíveis pelos meios mais desprezíveis e nefastos, como os concursos e as telenovelas, o futebol, o fado e a manipulação informativa sem nenhuma seriedade crítica.
Admirei os que continuaram, mesmo com a incógnita, a dúvida, o pessimismo, a roer-lhes a esperança com a mão dura do tempo sobre os ombros fragilizados.
Vi transformar sonhos em pesadelos, pombas brancas simbólicas de Picasso em destruições de vidas humanas, usar e abusar dos outros com o privilégio que o poder consente e a justiça prescreve, morrer em hospitais por falta de atendimento a tempo, de fome por desprezo social, de suicídio como último refúgio duma dignidade humana ofendida.
Os sete pecados da Câmara socialista são para levar a sério? Ou ficam-se por uma conferência de imprensa?
António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt