Se a esquerda não respeita o voto da urna, o que a distingue do que denuncia?
Vamos lá a ver se percebo. Ainda não há um mês realizaram-se eleições autárquicas. Ainda não há um mês o povo, no concelho de Torres Novas, mostrou o seu desagrado ao PS, o seu desencanto com o PSD, o seu apoio à CDU e Bloco de Esquerda, sem esquecer as listas independentes de Assentis, Riachos e da freguesia de S.Pedro. Acreditava eu que os resultados da lista dos Riachos, uns independentes disfarçados do PSD/CDS, como não conseguiriam maioria absoluta, iriam, dentro do – ainda não percebi o significado – arco do governo, fazer lista com o PS, como realmente parece acontecer. Está dentro do bloco central dos interesses, e, mesmo que a nível nacional, as coisas se compliquem, os Riachos são uma terra sui generis, como o demonstraram os resultados do acto eleitoral. O que traz à baila a importância do caciquismo da finança e da banca no mundo rural e da sua aliança com uma igreja que o papa talvez censurasse pelas suas opções. Gostava de ver bem analisado o resultado das eleições, em relação à actividade quotidiana dos que contribuem para a dinâmica da vila.
Mas a aliança dos independentes com o PS, em Riachos, não admira. A Câmara pertence ao 2º partido, com maioria absoluta. Há necessidade de manter pontes, para haver retribuições.
O que já me custa a perceber é o que parece ter sido cozinhado entre o PS e o PCP para a freguesia de S. Pedro/Lapas/Ribeira Branca, onde os cargos da Junta foram distribuídos entre o PCP/CDU e o PS, garantindo uma maioria PS/CDU, prejudicando os independentes e ostracizando o BE. Num mês esqueceu-se, em nome dos interesses partidários, a carta de intenções eleitoral. A troco de, segundo me contaram, Lapas e Ribeira poderem ter um representante na Assembleia Municipal, devido às votações da CDU aí conseguidas.
Ainda não há um mês, o cidadão que sou, morador na freguesia de S.Pedro, votou, para dar à CDU e ao Bloco de Esquerda mais peso e força negocial e para tentar retirar a maioria absoluta na Câmara ao PS. Votei de forma desigual, nas três eleições municipais, mais em objectivos que defendo como concelhios, do que partidários. Os resultados atingidos não conseguiram acabar com a maioria absoluta do PS na Câmara, mas retiraram-lhe peso e a maioria desapareceu na Assembleia, só se mantendo por uma legislação que mantém aos presidentes de Junta um poder que só uma lei que desrespeita o voto do cidadão mantém, já que ninguém vota nos candidatos para as juntas para serem os verdadeiros donos duma Assembleia Municipal.
Quando um presidente de junta vota numa assembleia municipal, representa quem? A si próprio e o partido por que foi eleito? A junta onde há outras opiniões? As deliberações da Assembleia de Freguesia, que o responsabiliza? O que é um facto é que a aliança PS /CDU na freguesia de S. Pedro interessa só aos dois partidos, prejudica os marginalizados e a opinião do eleitorado. O programa da CDU foi metido no bolso na freguesia de S.Pedro, para um programa PS/CDU, conforme os dias?
Vejo como Bernardino Soares se alia ao PSD/CDS em Loures, por conveniência duma gestão sem maioria absoluta, mas como seguidor das suas intervenções na Assembleia da República, só a idade e a experiência me não me fazem ficar totalmente surpreso. A partidocracia tem razões que os direitos dos cidadãos desconhecem.
Mas não creio, com este tipo de cedências da CDU, tão vertical e corajosa na defesa dos seus princípios ideológicos de sempre, como o demonstrou no Centenário de Álvaro Cunhal, mostrar-se tão pragmática e tão pouco vertical nas autarquias com os seus denominados adversários nacionais. Entregar ao PSD pelouros é assumir que este partido está a fazer uma política de acordo com os interesses nacionais. Ou não?
Localmente, como na freguesia agregada de S. Pedro-Lapas-Ribeira, desrespeitam-se as deliberações do voto do povo, manifestado nem há um mês. Não me venham dizer que é estratégia. Qual? Assumir que o PS vai ter nas freguesias um comportamento diferente do Executivo? Será que neste órgão o PS distribuiu pelouros às oposições? Será que, preocupado com a dívida municipal, deixará de ter quatro vereadores a tempo inteiro? Será que na Assembleia o comportamento vai ser diferente dos últimos vinte anos?
Confesso-o já, como cidadão de S. Pedro: Sinto-me ludibriado na parte eleitoral do voto que lhe dei.
E ainda a dança não começou…
30 de Outubro de 2013
António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt