Nem tudo o que luz elimina a escuridão
Não vou perder muito tempo com os resultados nacionais, cuja análise corre em todas a televisões e com comentadores políticos pagos.
Não abraço as teorias reinantes. O PS, um dos do arco do poder, ganhou o voto de protesto nacional, sendo no país que nos coube de pátria, o único que, para o povo que temos e somos, a alternativa que nos vendem ao poder laranja. As câmaras caíram-lhe nas mãos como as moscas no mel. O voto contra um poder arbitrário, autoritário, anti-social, fomentador do desemprego, da miséria, da fome já não encoberta, do abandono, necessitava da esperança urgente duma alternativa redentora. O messianismo luso só tinha uma solução: o partido socialista. Não há escolha ideológica, como o não houve há dois anos, quando o mesmo povo se entregou, como virgem serôdia, nos braços de Passos Coelho, num protesto contra José Sócrates.
O protesto mais consistente escolheu o partido do combate antifascista e ignorou a esquerda radical – daí a subida do PCP e o quase desaparecimento nacional do Bloco de Esquerda.
Mas a hecatombe do PSD não teve expressão, no dia seguinte, quando a política da troika continua, Paulo Portas esperneia com os resultados que obteve, o presidente Cavaco Silva vai de se passear na Suécia a vender uma imagem dum país que na realidade já não existe, mas que ele venera, já que, com antecipação, antes do sacrifício do frio do Norte Europeu, tinha avisado que as eleições autárquicas não trariam consequências para a governação. Daí que Passos Coelho se não sinta culpado da hecatombe laranja e vá já avisando o Supremo Tribunal de que necessita, em relação às leis, de mostrar que é nacionalista.
Se não embandeiro em arco com a vitória do PS, não é porque não acredite que é melhor PS do que PSD/CDS. Há diferenças, desculpem-me os socialistas, mais de pormenor, do que de essência. A maçonaria do Grande Oriente Lusitano, que para o ano vai a eleições, não demonstra que anda tudo misturado?
Mas, que faz o PS com esta vitória eleitoral? Espera pelas eleições europeias, e em 2015, pelas legislativas, enquanto o resto sobrevivo do país real se desfaz na gangrena da luta pela sobrevivência?
Prefiro antes um olhar sobre as eleições locais, com uma ideia base: o protesto, com diversas vertentes: o aumento da abstenção, + de 6% que em 2009, não se pode considerar só como apatia política – não voto, porque os políticos são todos a mesma choldra -, mas também como protestos múltiplos, como a deslocação de votos da direita, que não se sentiam representados pelos candidatos do laranjismo partidário, ou de votos do centro-esquerda, que não se reviam nos nomes da rosa já sem punho. O aumento dos votos brancos e nulos, expressão dum desacordo manifestado na urna, 8,71 % dos votantes, quase triplica a percentagem de 2009 (3,28%).
Quanto aos votos, do quadro acima, em que por comodidade, se eliminaram as percentagens, podem extrair-se algumas conclusões:
1 – Para um número semelhante de eleitores, há uma diminuição de votantes, acima já apresentado.
2 - O PS ganha as eleições, mas perde 2.880 votos para a Câmara, menos um mandato; e 4.031 para a Assembleia Municipal, menos 2 mandatos. Mantém a maioria absoluta, com 4 vereadores. Há um protesto profundo em relação ao cabeça de lista, o ex-presidente da Câmara, que se revela na diminuição de mais de mil votos em relação à votação do candidato ao executivo, o que demonstra que muitos eleitores socialistas recusam a sua continuidade. Aliás, é significativo ser o PS o único a diminuir a votação dos eleitores para a Assembleia. O que contraria, como se verifica no quadro, a norma geral.
3 – O PSD cai na votação, mas, na prática, mantém o vereador e perde na Assembleia 1 mandato (de 5 para 4). Perde muito, é certo, e mostra a dificuldade de enquadrar a política nacional nas populações locais.
4 – A CDU aumenta a votação nos dois órgãos, mas não rouba ao PS o vereador que lhe faria perder a maioria absoluta, e que, pela dinâmica eleitoral, quer local, quer nacional, esperei que acontecesse . Aumenta um deputado municipal.
5 – O BE, ao contrário da derrocada nacional, é o vencedor teórico das eleições autárquicas. Aumenta a sua votação nos dois órgãos, rouba um vereador ao PS, entrando pela primeira vez da sua história no executivo Camarário e aumenta um deputado municipal (passa a 3).
6 – O CDS/PP perde votos, mas mantém a sua percentagem fidelizada. Entra na Assembleia Municipal, aproveitando o aumento da abstenção.
Creio que algumas conclusões há a tirar, entre elas de que houve, mesmo na e com a vitória do PS, uma mudança. Só o futuro mostrará se, de facto, a realidade é essa e não o mesmo de ontem disfarçado.
Para os partidos, uma lição: os cidadãos começam a estar cansados de jogos de poder, quando a sobrevivência começa a tornar-se crítica na maioria dos lares portugueses. A abstenção é uma ameaça cada vez mais crescente, as listas independentes, com suas vitórias concelhias, uma prova de que já nada é igual, o que só dá razão a Heraclito, filósofo grego, quando exclamava: ninguém se banha duas vezes nas águas do mesmo rio.
Tão pouco aprendemos nestes milénios passados…
2 de Outubro de 2013
António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt