Riachos entra no mapa dos vinhos de qualidade pela marca Zé da Leonor

Quarta, 17 Dezembro 2014 13:00 André Lopes Empresas
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“Aroma discreto, floral, mineral e suavemente cítrico. Gordo e encorpado, com acidez integrada, boa secura, final intenso, cítrico, salino, com personalidade”. Foi assim que a Revista Vinhos descreveu o vinho branco Zé da Leonor Reserva 2013, o primeiro saído das jovens vinhas da Quinta Nova, plantadas em 2011, a que deu a nota de 15,5.
Menos de um ano depois do lançamento, as primeiras 3500 garrafas com o rótulo Zé da Leonor esgotaram-se, o que, para o produtor Pedro Rebelo Lopes, é um sinal muito positivo no arranque da produção deste vinho feito em Riachos com a intenção de marcar uma posição em termos comerciais, mas também que as gentes da terra “tenham orgulho nele”.

A vinha e o vinho
A vinha, plantada em 2011, ocupa apenas quatro dos 22 hectares da quinta. Só a encosta virada para sul, sobranceira ao Almonda, apresenta as características ideais para vinha, o resto é quase só terras de aluvião, onde se continua a cultivar milho. O produtor explica que, além de se tirar partido de uma grande exposição solar (a rápida maturação é boa para evitar as chuvas de Setembro, este ano a vindima começou a 15 de Agosto), o terreno de arenito com calhau rolado é “o melhor que se pode pedir” para a qualidade da uva; os calhaus ajudam à constância de temperatura, tanto no verão como no inverno, de dia e de noite.
 
O projecto “diferente” de vitivinicultura “tradicional” que o bisneto de José Lopes Barroso, o Zé da Leonor, idealizou, juntamente com o seu primo enólogo Filipe Sevinate Pinto, parte da premissa da primazia da qualidade sobre a quantidade, querem um projecto de pequena/média dimensão, coerente com a dimensão da Quinta Nova, que ostente, no sabor e na identidade, claramente as marcas do Tejo, Riachos e qualidade.
Situada mesmo à porta da adega, a vinha é chamada de “tradicional” por várias razões: a disposição em altura que impede, além de dores de costas, contaminações e permite uma maior produtividade, os postes de madeira, o que hoje em dia rareia, e a vindima feita à mão. E depois há as práticas e o manuseamento: não se faz mobilização do solo, faz-se antes um enrelvamento para a menor erosão da terra e maior enraizamento, assim como menor consumo de água. Há cuidado com a biodiversidade existente, garante Pedro Rebelo Lopes, utilizando-se produtos fito-farmacêuticos apenas “mediante uma necessidade efectiva”. Isto implicará o acompanhamento constante e dá algumas dores de cabeça, mas a ideia é ter uma vinha “o mais sustentável possível, o mais ambientalmente interessante com a maior qualidade possível”, o que não é óbvio em todas as vinhas.
 
Os produtores planearam meticulosamente todos os detalhes da exploração, tendo em vista o produto idealizado. Os vinhos brancos querem-se cada vez “mais frescos mas estruturados”, diz o jovem empreendedor. Com dois anos e meio, a vinha da Quinta Nova, só de uvas brancas, deu 3500 garrafas. A produção de 2014 já vai dar umas 10 mil garrafas e ainda tem uns cinco anos de crescimento antes de estabilizar.
O vinho branco reúne a acidez do arinto, a estrutura do gouveio (ou verdelho) e o aroma do viognier. As três castas foram escolhidas a dedo e a última, francesa, é o toque de mestre; apesar das podridões frequentes e da quase extinção dos anos 60, esta casta tem poucos produtores e é cada vez mais procurada, porque dá “um nariz extraordinário ao vinho”.
 
Para os tintos e para o rosé (no princípio do ano saem o rosé de 2014 e o tinto de 2013) a fórmula inclui touriga nacional, alicante bouschet, cabernet sauvignon e syrah e a uva é comprada a um produtor da Zibreira. Dada a exiguidade dos terrenos, procurou-se um produtor que tivesse um solo parecido o da Quinta Nova e que não ficasse muito longe.
 
O primeiro lote de tinto da casa vai lançar seis mil garrafas, um vinho “encorpado mas não muito agressivo na boca”. Os parâmetros antecipados pela parceria entre primos revelaram-se à altura nos resultados.

Pai e filho, Carlos Rebelo Lopes e Pedro Rebelo Lopes há muito que sonhavam com um projecto para a Quinta Nova

A adega 
É uma adega mista entre o tradicional e o moderno e tudo é feito com apenas duas pessoas, o próprio Pedro Rebelo Lopes e um empregado da Quinta, João Alcobaça, que trabalham “lentamente, com tudo orientado para a qualidade”. O ex-libris da adega é uma velha prensa hidráulica vertical de uma marca muito comum nas velhas adegas industriais, mas que já não existe, é a metalúrgica FAS, de Torres Vedras. Com a sua bomba de dois cavalos, prensa as massas com a ajuda do peso da água e permite tirar mais cor (no caso do tinto) e aroma das uvas. Demora mais do dobro do tempo que as modernas prensas pneumáticas, dá muito mais trabalho e é praticamente uma peça de museu, adquirida numa adega que fechou, mas Pedro Rebelo Lopes não prescinde dela. 
Outros pontos-chave do desígnio da qualidade do vinho são a fermentação a frio, o lagar para pisar a pé parte das massas (torna o vinho mais encorpado) e a transição para a cave por gravidade (“quanto menos batidos melhor”). Aqui, parte do vinho fica a estagiar em barricas de carvalho francês, que “arredonda o vinho”, outra parte em garrafas.

A marca
Não é barato “mas é um preço justo, até baixo para o vinho que é” assevera o produtor quanto aos 4,49 euros de PVP estabelecido para a primeira colheita. Num mercado nacional em que mais de 90% dos vinhos têm preços inferiores a 5 euros, a ideia é colocar o Zé da Leonor ainda neste intervalo, de forma a que se torne concorrencial.
 
Não se equaciona a venda nos supermercados porque não existe volume suficiente e porque “desvirtuaria um bocado o projecto... se quisermos encontrar um vinho diferente, vai-se a uma garrafeira”. É um vinho de nicho, que através de distribuição própria vai ser vendido no distrito de Santarém e em Lisboa e Porto, e daqui a uns anos procurará a exportação.
 
Para já, meia dúzia de restaurantes mais meia dúzia de garrafeiras e lojas de produtos gourmet em Torres Novas, Golegã, Entroncamento e Lisboa, onde ainda haverá algumas garrafas, foram as primeiras “cobaias” de uma experiência que estava fadada a ser bem sucedida.
 
O facto de a CVR ter atribuído a chancela “Reserva” (uma designação de qualidade, mais do que de idade) a um vinho de uma adega nova e de uma colheita de primeiro ano também não é comum. Mas o vinho da Quinta Nova é para ser bebido, não é para guardar, aconselha Pedro Rebelo Lopes: “bebam-no, não o guardem, porque um vinho bom é para se beber e também porque os próximos Zé da Leonor vão ser melhores nos próximos anos”. 
 
A concorrência não é fácil, porque todos os anos aparecem marcas novas de bom vinho. Além disso, ser um vinho novo do Tejo não é o mesmo que ser um vinho novo do Douro ou do Alentejo. Apesar de já haver mais atenção para regiões como Lisboa, Bairrada e Tejo, a verdade é que a popularidade destes vinhos ainda sofre das dores da herança da história. “É difícil concorrer de peito aberto numa garrafeira de Lisboa. Para o cliente é mais uma marca do Tejo que ninguém conhece. O Tejo é uma marca que ainda está a afirmar-se aos poucos”. Por estas razões é límpido: vender 3500 garrafas foi muito bom.
“Normalmente [quando se pensa em Tejo] pensa-se em Almeirim ou Alpiarça e esquece-se que a região vai até Tomar. Há aqui vinhos mais próximos da serra que não têm nada a ver com o vinho de areia, são diferentes”. E em Riachos, Torres Novas, Entroncamento e Golegã, “há um pólo que achamos que faz sentido. Fazem-se vinhos de qualidade em todo o país, porque é que não se há-de fazer em Riachos? E estamos a conseguir”.
“Queríamos que fosse orgulhosamente um vinho de Riachos”. Ser de Riachos tem a intenção de as pessoas se identificarem com ele, mas também porque existe uma mais-valia comercial nisso. No mundo dos vinhos, uma marca como Zé da Leonor atribui um tom regional, castiço, tradicional e atiça a curiosidade do consumidor para saber mais sobre este produto proveniente de uma vila no meio do Ribatejo. Nas provas que foram feitas em Lisboa, as pessoas perguntavam quem é o Zé da Leonor e onde é Riachos. “Bem, a verdade é que muita gente em todo o lado conhece Riachos, mas este é um pretexto para contar uma história verdadeira e criar uma aura de envolvência”. A frase adoptada para o rótulo foi “A marca da nossa história”, que história? “Para mim é a minha história, para si é a história de Riachos, para Lisboa é a história de uma região… isto vai ao encontro do que é o vinho, um produto histórico. A pessoa quer beber um vinho bom, mas também quer saber a sua história”. 
 
A criação da marca foi pois planeada com medida. Mais ou menos no momento em que plantou a vinha, Pedro Rebelo Lopes, 33 anos, geógrafo de formação e agricultor de profissão (em Aljustrel e Riachos), que nunca antes tinha feito vinho, apesar de sempre o ter bebido, fez uma pós-graduação em “Wine Business”, ou seja, a gestão da vitivinicultura e o negócio do vinho.

A eira da Quinta Nova, que faz parte da memória colectiva riachense, vai ser mantida

A quinta
Todo o olival que existia na encosta da vinha foi transplantado para diversos sítios, com o lamento de uma ou outra oliveira não ter sobrevivido à mudança. No lado oposto da quinta permanecem dezenas de velhas oliveiras plantadas pelo bisavô, esse não será arrancado, em parte por questões de afectividade.
 
É nesta zona que está a eira mais famosa de Riachos, como Pedro Rebelo Lopes bem repara com tanta gente que o tem abordado, cheia de curiosidade sobre o que agora lá se faz. Tão famosa, que a velha quinta até ficou, durante muito tempo, mais conhecida por ‘a eira’. Frequentada durante décadas por piqueniques, passeios, banhos no Almonda e outros prazeres – até festas populares lá foram feitas nos anos 80 e encenações das práticas da lavoura que encerravam mais importância social antes da chegada em força da mecanização dos campos, normalmente por ocasião de Festas da Bênção do Gado - elegendo este como um dos sítios mais bonitos da freguesia para se desfrutar de paisagens naturais e da estreita ligação ao rio e aos campos. É para manter intocada, garante o proprietário, pela sua beleza e pela memória. Já as velhas fachadas, tanques e a chaminé da antiga destilaria que, para quem tem menos de 40 ou 50 anos, nunca passaram de sombras vindas de tempos antigos que, em conjunto com a velha muralha de terra em frente ao Galera (agora restaurada com os materiais modernos) ali faziam de guarda à eira, o proprietário revela que ainda não sabe o que lhes vai fazer. Mas a memória colectiva sobre a Quinta Nova vem de mais atrás.
 
A importância social que a Quinta Nova teve noutros tempos reporta, claro, à agricultura. Zé da Leonor, que a fundou pela compra da parte dos terrenos de cultivo da Quinta da Várzea, foi um dos lavradores influentes de Riachos num tempo em que o tecido social se regia pela economia de meia dúzia de grandes lavradores. Na sua quinta trabalharam famílias e gerações inteiras.
 
Não foi há muito tempo que ali se produziu uma das últimas culturas mais específicas da região: o cânhamo. Foi um dos sítios do país onde se produziu mais cânhamo nas décadas de 1940 a 60, no programa nacional de produção desta fibra que era encomendada pela Fiação e Tecidos, também ela agora já só uma memória a apagar-se na gente. A proximidade ao rio, onde se fazia a maceração das canas, assim o permitiu.
Depois do cânhamo, o vinho pode marcar a vida desta quinta. Pedro Rebelo Lopes não enjeita uma eventual abertura para fins pedagógicos e educativos no futuro, talvez com um regime de visitas para mostrar como se faz o vinho. Para já, o projecto ainda mal começou e só daqui a cinco ou seis anos é que todo o seu potencial será bem espremido.
 
Riachos é a terra da sua família paternal, onde nunca morou mas onde diz sentir as ligações familiares. O pai, Carlos Rebelo Lopes, nasceu aqui, por isso na infância passava cá as férias, a avó era a Laura da padaria do Zé da Laura, na rua Menino de Deus. Lembra-se de muita coisa, mas entre a adolescência e a plantação da vinha, deixou de cá vir. A quinta esteve arrendada muitos anos mas na família sempre se falou em fazer aqui alguma coisa. O vinho foi dominando cada vez mais as conversas e a ideia a fazer sentido, mas parecendo sempre uma coisa longínqua. Até que a propriedade da quinta ficou para o pai e começaram a trabalhar.
 
“Há um espírito muito aguerrido em Riachos, eu falo com algumas pessoas mais velhas e vê-se que têm orgulho nas coisas. Ainda há aqui pessoas muito ligadas à terra”, repara Pedro Rebelo Lopes. Agora quer que as pessoas consumam o seu vinho e “que tenham algum orgulho nele”.

Actualizado em ( Terça, 13 Janeiro 2015 13:14 )