Paco Velásquez quer recuperar o toureio a pé em Portugal

Quinta, 02 Janeiro 2014 13:20 André Lopes Riachos
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Entrevista ao novilheiro que tem alternativa marcada para Janeiro.
 
 

Aos 17 anos, Francisco José Lopes Pescador de Matos decidiu que queria ser toureiro. O imaginário estava presente desde muito novo, desde que começou a dar os primeiros passos na escola de toureio da Golegã. Quando chegou a altura, teve de tomar a decisão: abandonar a escola, deixar a família, os amigos e a sua terra. Rumou a Sevilha para, às ordens do velho Espartaco (assim se chama um dos seus ‘padrinhos’), começar a fazer “a vida do touro”. Dois anos depois foi para o México, onde o entusiasmo pelo toureio a pé é vibrante. Com 23 anos, já entrou em dezenas de praças em Espanha e México.
Em Janeiro toma a ‘alternativa’, cerimonial em que deixa de ser novilheiro para passar a ser um verdadeiro matador. Assim que o for, quer regressar à Península Ibérica para fazer vida de toureiro, circulando entre Portugal e Espanha, centrando-se principalmente em Sevilha.
Apesar de ter partido para uma vida autónoma muito cedo, Paco Velásquez – o seu nome no mundo tauromáquico - continua a dizer que é na sua terra, perante a sua família, que tem mais anseio e receio de mostrar o que vale.


Como começou tudo isto?
Os cavalos, os cavalos eram aquilo que eu gostava mais. Queria ser toureiro a cavalo. O meu pai gostava, eu gostava. Mas como tantos aficionados, via as corridas na televisão, não ia à praça.
Fui estudar para a Golegã e um dos meus melhores amigos era o neto do Manuel dos Santos. Conheci também o João Barreto, que era bandarilheiro. Um dia levaram-me à escola de toureio e conheci outros toureiros. Comecei a treinar no toureio a pé e gostei mais do que o toureio a cavalo. Mas depois a escola da Golegã fechou e comecei a treinar com um novilheiro que era o Daniel Nunes, que é da Praia do Ribatejo mas sempre tinha treinado na Golegã.
Quando fechou a escola, andei um tempo por Riachos e foi quando apareceu o concurso à procura de novos toureiros, no Campo Pequeno. Inscrevi-me, sem pertencer a nenhuma escola, passei 13 ou 14 eliminatórias. Ia passando, passando, até chegar à final com seis finalistas. Eram 60 concorrentes, vindos de diversas escolas. Eu treinava a ver televisão. Fiquei em sexto lugar, mas para mim foi um triunfo porque não pertencia a nenhuma escola, não tinha ninguém atrás de mim, não tinha nenhum padrinho. Cheguei à final e chorava, chorava, chorava… Era a primeira vez que me metia à frente de um toiro (tinha treinado só com vacas), a primeira vez com público, logo no Campo Pequeno, e logo com um novilho… foi uns nervos impressionantes… Mas desses seis toureiros, só fiquei eu e o Manuel Dias Gomes (de Lisboa, filho do José Luís Gomes, cabo dos Forcados de Lisboa). Ele toma a alternativa agora também, somos os novilheiros com mais futuro para a festa do toureio a pé em Portugal, acho que somos aqueles em que os aficionados têm mais expectativa.

O que pensas disso, de ser uma das esperanças para recuperar o toureio a pé em Portugal?
O toureio a pé em Portugal agora está morto. Não existe aficción, desde as grandes figuras que houve: o Manuel dos Santos, o Vítor Mendes… Acho que o Pedrito de Portugal foi o último matador de toiros que arrastou público. Já tem havido matadores muito bons, mas não arrastam público.

O facto de não haver toiros de morte em Portugal dificulta o desenvolvimento do toureio a pé?
Acho que também ajuda, sim. Por exemplo, a feira de Badajoz enche-se de portugueses. A praça está sempre cheia de portugueses. Acho que os portugueses sentem a falta disso, do toiro de morte. Mas, por outro lado, no tempo do Manuel dos Santos e do Chibanga também já não se matavam toiros e as pessoas iam à praça.
Acho que deixou de haver toureio a pé porque não houve toureiros com carisma. Agora, todos são amigos. Deixou de existir a rivalidade, que era aquilo que existia mais nesses tempos, por exemplo entre o Manuel dos Santos e o Diamantino Viseu. Era as guerras que havia, se calhar até eram amigos fora da praça, mas chegavam à praça e davam tudo por tudo.
E falta também publicidade. Antigamente as corridas eram importantíssimas para a televisão, hoje em dia já transmitem muito pouco. E nada do toureio a pé, tudo do cavalo.
Acho que era importantíssimo não voltar à corrida a pé de seis toiros para três toureiros. Acho que o melhor é uma corrida mista, dois cavaleiros e dois toureiros a pé. Como foi aqui em Riachos [na Bênção do Gado de 2008]. Foi o meu debute e a única vez que toureei em Riachos, já vivia em Espanha, estava com o mestre Espartaco. A praça estava cheia, havia pessoas que tinham bilhete e nem se podiam sentar.

E quando é que vais voltar a tourear em Portugal?
Na próxima temporada, em que já vou ser apresentado como matador de toiros, quero fazer um pequeno giro aqui em Portugal de oito, dez corridas. Em praças importantes, onde haja aficción do toureio a pé. O meu objectivo é: onde quer que eu vá, que as pessoas encham a praça. 
E um dos sítios onde eu tenho mais ilusão de tourear é aqui em Riachos, acho que as pessoas vão assistir, como foi no dia da minha apresentação. 

O que é que significa para ti tourear em Riachos?
No outro dia, um matador amigo meu estava a dizer: “quando voltares à tua terra, vais ver que bonito vai ser, já és matador de toiros”. Eu disse-lhe: “olha, quando toureei na minha terra já tinha toureado em Sevilha, Barcelona, em várias praças importantes. Quando fui à minha terra, foi onde tive mais medo. Lembro-me que, enquanto me vestia, vomitava dos nervos. É a terra do meu pai, que morreu tinha eu catorze anos, da minha mãe, dos meus avós, se as coisas correm mal como é que eu vou sair à rua? Depois dizem: «ah, este gajo tem medo…». Eu lembro-me que tinha uns nervos nesse dia… achava que não conseguia. Mas tinha muita vontade e correu muito bem. Os meus dois toiros eram os melhores da corrida, foi dos melhores finais que fiz até hoje.
Quando terminou a corrida, sacaram-me em ombros da praça. Nesse dia nem me preocupava por mim, nem me lembrava de mim. Só me lembrava que estava a fazer feliz a minha mãe, os meus avós. E nem sequer desfrutei desse dia. Acabei de tourear, fomos para o carro, ia para Espanha para tourear no dia seguinte. E lembro-me de ir no carro e pensar que dava tudo para voltar para trás e ir para a Festa da Bênção do Gado.

Começaste nessa altura a tua carreira em Espanha…
O Espartaco, uma das melhores figuras do toureio que houve, um dia viu-me tourear numa novilhada em Arruda dos Vinhos, em que fui triunfador também. Disse-me: “olha vem para a minha escola em Espanha, vou-te ajudar”. Fui um verão, ainda estava a estudar, depois fui no Natal e ele disse-me: “Paco, tu já não podes voltar para Portugal, tens de ficar aqui. Liga à tua mãe. Para seres toureiro, tens de fazer a vida do toiro. O toiro não vai a discotecas, não bebe, não tem namoradas. O toiro todos os dias está a pensar no momento em que vai chegar à praça. Tens de viver a vida do toiro”.

E o México?
Conheci um matador que se chama Alejandro Amaya, que me agarrou e disse: “vou-te levar para o México e vais fazer a temporada no México”. É a pessoa que eu sigo, é como se fosse família, é como um irmão, deu-me tudo. 
 
Foi difícil arrancar tão novo? A família, a escola…
Imagina dizeres à tua mãe: “olha, quero ser toureiro, vou para Espanha, já não vou estudar mais”. Ela não me queria deixar ir, ao princípio foi complicado mas terminou por respeitar o meu sonho. Agora está contente, já se acostumou. Mas é sempre complicado, ir com 17 anos para uma terra onde não conheces ninguém… Mas quando vais com um sonho, é igual.

Porque é que os jovens toureiros vão para o México, em Espanha não há o mesmo mercado?
Com esta crise em todo o lado, o México foi o país menos afectado nas touradas. Em Espanha, hoje em dia, se és novilheiro tens de pagar para tourear! E eu sempre tive a minha ideia de não pagar para tourear.
No México há sítios onde não recebes, mas também não te pedem. E respeitam-te como toureiro. Há milhares de toureiros no mundo, mas há 50 ou 100 que vivem disto. Eu tive oportunidade de nestes últimos anos fazer-me muito amigo do Juli e do Talavante, vivi com eles no México e aqui em Espanha. Têm-me dado todo o apoio e conselhos técnicos.

A alternativa, o que vai significar?
É uma graduação, tens de passar pelos vários passos. No toureio a pé, começas como bezerrista, toureias um novilho de um ano, depois novilheiro sem picadores, que é com um novilho de dois anos, depois novilheiro com cavalos, que é o que eu sou agora, com um novilho de três anos. Bom, devia ser, porque há muito sítio onde vais e soltam-te um toiro com quatro, cinco anos, o que é ilegal… Já toureei touros com mais de 500 kg. A partir da alternativa, toureias um touro com quatro anos ou mais.
O cartel será, quase de certeza, o Alejandro Amaya, El Payo e possivelmente o Talavante. Eles disseram-me que estava na altura de tomar a alternativa: “estás a tourear bem, tens técnica. E estás um bocadinho verde, nunca é bom aprender demasiado”. É sempre bom haver o medo de levar uma cornada, não ir para ali descansado.

Então queres fazer a alternativa no México e vir para cá?
Tenho a tristeza de nestes últimos anos ter aumentado a minha capacidade técnica, triunfado em tantas praças, e não o poder mostrar aqui, na minha terra, em Portugal.
Sinto que vai haver um bom ambiente, os aficcionados com que tenho falado têm ilusão em ver-me. E como há isto do Manuel Dias Gomes, que também vai tomar a alternativa… Uma das coisas que eu gostava era de tourear algumas corridas com ele. Porque sei que vai haver rivalidade. Ele ficou em segundo lugar naquele concurso do Campo Pequeno e eu fiquei em sexto. Uma das coisas que mais ilusão tenho é tornar a tourear com alguém que esteve nesse cartel. É um projecto profissional que a gente tem.

Não gostavas de ser conhecido por El Pescador? 
Ao princípio anunciavam-me nos cartéis como Francisco Lopes, depois como Paco de Matos. Eu até gostava mais do Lopes, mas a família do meu pai dizia-me: olha que tu és Pescador de Matos…
El Pescador era desses nomes que as pessoas não iam levar a sério, as pessoas iam brincar comigo. Paco Velásquez é um nome que eu acho que é sério, e que eu gosto. O Nuno Velásquez era um toureiro português que as pessoas diziam que era meu irmão. Eu dizia que não, mas as pessoas chamavam-me Velasquito, e em Espanha igual. Velásquez era também um grande pintor e eu vejo o toureio como uma pintura, é sensibilidade, arte e entra bem dentro do meu conceito de toureio, que é o clássico.

Só falámos dos teus sucessos. Podes contar alguns episódios em que as coisas te tenham corrido mal?
Por exemplo, das situações em que fiquei mais triste foi uma actuação no Campo Pequeno. Lembro-me que as pessoas de Riachos foram lá ver-me, no mesmo ano em que triunfei aqui, e foi desses dias em que sai tudo ao contrário: o touro complicado, tu não estavas nos teus dias, parece que nunca toureaste… Passei por um bocado complicado.
Mas um dos dias mais duros da minha vida foi quando morreu o meu pai. Acho que foi uma das coisas que mais me impulsionou para ser toureiro. Fez-me descobrir sentimentos que eu tinha dentro, sentimentos de poder lutar…
Há vários fracassos sim. Mas são os fracassos que melhor me têm ajudado. Porque tenho aprendido bastante e como sou uma pessoa bastante emotiva, quando as coisas correm mal, choro, mas no dia a seguir muda sempre tudo.

Qual é a tua relação com os anti-taurinos?
É sempre um bocado desagradável. Quando chegas a uma praça vestido de toureiro e há uma manifestação, as pessoas dizem coisas desagradáveis. Nunca tento discutir, respeito as opiniões, mas eles… enfim. Até com algum amigo que possas conhecer e depois dizes “sou toureiro” e ele diz “ah e tal, és desses…”.
São movimentos que eu respeito. Mas isto são coisas que não se podem proibir. É uma tradição. Se vais proibir as corridas de touros, tens de proibir a caça, a pesca, tens de proibir tudo. Se vires um programa de pesca, vês que os pescadores, quando pescam um grande peixe têm de estar ali duas horas a lutar com ele.
Acho que, no momento em que está Portugal, proibir as corridas de toiros seria uma coisa má. Há outras preocupações muito maiores, o desemprego, por exemplo. O animal que eu gosto mais é o toiro, um animal bravo. Sim, mato-o nas corridas, porque ele é criado para isso, se as corridas deixam de existir, ele deixa de existir.

Actualizado em ( Quinta, 02 Janeiro 2014 19:03 )