o riachense

Sexta,
03 de Maio de 2024
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Ele dá vida a coisas velhas

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A criação do Núcleo de Arte de Riachos veio dar um novo ânimo à vida de José Bernardim Amado Serra, conhecido como Zé Gonho.

  Reformado por invalidez aos 49 anos devido a um ataque cardíaco, dedicou-se à construção de miniaturas artesanais que vai apresentando com sucesso em feiras e exposições. Assumindo-se como artesão, Zé Gonho falou-nos das suas concepções de artesanato e escultura, mas o seu espírito obreiro vai todo para a reutilização de objectos velhos em arte popular.

Zé Gonho, 54 anos, começou a trabalhar ainda criança no Martinho Gato e depois na Unital. Mais tarde, foi mecânico de tractores e serralheiro em várias empresas da região. Trabalhou também por conta própria até se aposentar aos 49 anos, com uma reforma de 379 euros.

Habilidoso com o ferro e outros materiais, fez algumas charretes e breaks na sua oficina, um deles até foi usado nas gravações da série Alves dos Reis, transmitida na RTP. “ Ainda ali tenho uma Milord de papo para o ar porque ninguém a compra e tenho um break que só lhe falta as rodas. Quando tiver dinheiro ou quando aparecer alguém interessado, acabo-o”.
Há cerca de dois anos, Zé Gonho sofreu novo revés na sua mobilidade, quando lhe foram implantadas duas próteses nas ancas: “Agora, aqui ando, quase sem poder, a trabucar nas miniaturas…”. Foi a partir de 2008 que começou a dedicar mais tempo ao artesanato em miniatura: “Às vezes ia ao museu soldar algumas peças e foi lá que comecei a fazer moldes para os charruecos. O Zé Pamole já tinha feito umas carroças e fui atrás do que lá ia vendo. Primeiro fiz um carro de bois”, recorda. E depois uma carroça: “Em tempos tive uma carrocita azul que gostava muito. Vendi-a ao Paulo Coveiro (Paulo Pereira), que depois vendeu ao Orelhas (Carlos Santana). Gostava muito dela, mas a minha égua não cabia lá nos varais… Como não a tenho em grande, resolvi fazer uma miniatura. Agora, vou-me esticar para outras…”.

Motivação

Depois do carro de bois e da carroça, o aparecimento do NAR veio dar um novo impulso ao trabalho de Zé Gonho: “Andava com a moral um pouco em baixo e o NAR deu-me ânimo. Lá sinto que tenho algum valor, sinto-me o maior… Aqui, na oficina, sou apenas uma coisa que para aqui anda e lá reconhecem o meu trabalho. Assim, ando motivado para ir fazendo qualquer coisa de novo. Se não fosse o NAR não fazia nem metade”, diz, para continuar: “foi a melhor coisa que apareceu em Riachos. Foi bom para divulgar o trabalho dos artesãos e artistas riachenses. Hoje vejo que Riachos tem muitos artistas, nem imaginava que existissem tantos. Espero que o NAR dure muito tempo, não pode acabar”.
Ze Gonho mostra o carro de bois e a carroça com grande orgulho, como se fossem duas obras-primas. Duas réplicas perfeitas, com um grande valor sentimental, que pretende deixar às filhas. “Se gostarem, quando eu fechar os olhos, podem dividir as miniaturas, se não gostarem, queimem tudo no forno, que não me importo porque já não estou cá para ver”.
Questionado sobre quanto poderia custar a carroça, o artesão teve grande dificuldade em responder: “Foram muitas horas… ninguém imagina o trabalho que isto dá e se fosse a quantificar o tempo que demorei, era mais de 300 ou 400 euros, fora o material. Ninguém do NAR consegue vender uma peça pelo seu real valor”, diz, enquanto acaba de serrar mais uma peça para um charrueco.
Desde sempre Zé Gonho teve gosto pela bonecada e pelas miniaturas, mas durante muitos anos, as ideias foram ficando apenas na sua cabeça: “Fazia apenas umas cestas e serrotes para o meu pai acabar, mas pouca coisa. Só comecei a fazer mais depois de ele morrer porque era muito invejoso…”
O artesão envolve-se em várias peças ao mesmo tempo “para não me fartar de estar sempre a fazer a mesma coisa”, mas, paralelamente, vai pensando noutros projectos: “Quero fazer uma carreta de amolador de tesouras como dantes havia. Já tenho uma série de coisitas como a pedra de amolar… Para não estar sempre a fazer charruecos, vou variando os trabalhos”.

Feiras é com ele

Uma outra ideia surgiu durante as festas do Almonda onde também esteve presente em representação do NAR: “Tinha lá a miniatura de um carrossel em exposição e uma criança parou a olhar para aquilo, dizendo que só faltava os aviões. Fiquei com essa ideia e andei a matutar sobre como havia de lá colocar aviões a subir e descer e a andar à roda. Experimentei vários motores e a coisa lá funcionou com uns aviões feitos a partir de manteigueiras”. Este é um dos projectos que vai ter desenvolvimentos: “Com base no carrossel dos aviões, vou construir um carrossel da selva para a próxima festa da Bênção do Gado, com animais e tudo… Irei fazê-lo porque uma pessoa disse que eu não era capaz, mas vou provar que sou”.
O facto é que o artesão já tem todo um calendário de participação em feiras e exposições, sempre em representação do NAR. Agora está na Feira dos Frutos Secos, e depois Fátima, Golegã e Moitas Vendas. Gosta de participar nestas iniciativas porque pode mostrar como faz as suas miniaturas, que confessa agradarem ao público. “As pessoas acham piada. Tenho uns pisa-papéis com mensagens jocosas que fizeram sucesso no festival Bons Sons, em Cem Soldos”.
Sobre a invasão de produtos asiáticos, o artesão não teme a concorrência: “Ainda bem que há lojas de chineses porque assim baixam os preços. Não me faz diferença nenhuma. Eles podem fazer miniaturas, mas cada um tem o seu estilo. Sabem lá eles o que é um charrueco!”.

Esculturas e miniaturas

Zé Gonho também já experimentou fazer algumas esculturas, mas admite que o futuro não passará por aí: “Fiz uma peça sobre os Romeiros de S. Martinho, que esteve em exposição na TAACTO e agora também me convidaram para o núcleo de escultura do NAR. Mas não gosto muito desse tipo de arte, porque a maior parte dos trabalhos que vejo por aí, não me dizem nada… Não quero criticar ninguém, mas para mim, soldar ferro em cima de ferro, não é uma escultura. Há coisas que não consigo entender, e o que não entendo, não posso fazer. Algumas esculturas não me dizem nada, por isso não critico nem faço. Até posso fazer, mas depois olho para elas e não vejo nada. Gosto mais de artesanato, de fazer réplicas. Já fiz um pássaro, um pato e um pavão com ferraduras e algumas figuras humanas a partir de enxadas velhas. Podem considerar uma escultura, mas para mim é apenas aproveitamento de sucata”.

O que fica cá

Zé Gonho reconhece que muitas das miniaturas que vai fazendo, como as ferramentas do mundo rural, poderão começar a parecer estranhas às gerações mais jovens. E não se importa de ser apelidado de antiquado ou nostálgico: “Estas engenhocas que tenho, como serrotes e enxadas em miniatura, são ferramentas que os jovens daqui a alguns anos só poderão conhecer nos computadores. Podemos ser velhos, mas não somos burros, pois foi a minha geração que fez os computadores e as playstations para os mais novos brincarem. Os cotas afinal não assim tão parvos”, constata o artesão que tem já um grande espólio guardado religiosamente numa divisão da sua casa. Além das peças que produz, também guarda material que vai recolhendo ou que lhe vão oferecendo. “Encontrei uma viola no contentor e trouxe-a. É uma coisa velha mas arranjei-a toda. Da Golegã, trouxe uma garrafa cheia de rolhas de cortiça, porque podem ser precisas. Já usei algumas para fazer a terra para um boneco cavador que tenho para ali. Tudo se aproveita”, confessa Zé Gonho, que costuma também fazer cestas a partir de caroços de pêssego e até de caroços de cereja. Numa das vitrinas tem também o cachimbo que pertenceu ao Dr. Moreira e por cima está uma forquilha de madeira que julga ter pertencido a Manuel Amado. “Teria sido do meu avô porque tem as iniciais gravadas. Foi alguém, que já não me lembro, que a tinha e me ofereceu”.

Nuno Matos

 

Actualizado em ( Quinta, 07 Outubro 2010 09:13 )  
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