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António Mário Lopes dos Santos

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A lei que não me protege

No dia da tomada de posse de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República alguns media falam do acerto de contas com a justiça portuguesa, de Alberto João Jardim, na Madeira, e de Luís Filipe Meneses, como ex-presidente da Câmara de Gaia. Pelo menos, começam a chegar aos tribunais portugueses outros nomes que não a do Zé que gamou um Multibanco ou da Maria, que vendia droga no seu bairro marginal.

Portugal, segundo relatório recente, que O Público referiu, é um dos países com as prisões mais sobrelotadas no mundo europeu, atingindo recentemente, uma taxa de ocupação de 111,2%. Sobrelotação que não é devida, claro, às grandes falcatruas da banca, das finanças, das negociatas, porque, por razões que a lei determina e a minha razão não atinge, ficam com pena suspensa, ou reduzida a pulseira electrónica, ou com prisão residencial, ou liberdade condicional, a classe média alta que, à custa dos cargos políticos, das amigos nas finanças, no mundo empresarial, nas companhias de seguros, das administrações da banca ou das fundações, se locupletou com milhões que vieram da Europa para outros fins.

Há uma lei, feita à imagem dos grandes interesses privados, sejam eles de grupos ou de indivíduos, inclusive de partidos, que impede que se saiba quanto é a sua fortuna, como a arranjou. Como muitos outros segredos, o bancário é o cinto de castidade que os grandes vigaristas usam para que se não saibam os circuitos que usaram para esconder o que desviaram para contas suas ou de familiares, ou de empresas fantasmas criadas para a falcatruagem.

Tal lei continua a permanência da impunidade, e não me parece que a Assembleia da República, agora maioritariamente de esquerda, se esforce, com a rapidez necessária, para transformar o oculto em visível, o passe de mágica que permita abrir ao conhecimento público a gruta dos quarenta (só?) ladrões da história oriental de Ali Babá. 

Será que muito dos poderosos teriam de ser presos no dia seguinte à anulação de tal lei?

O certo é que, saídos do governo, perdida a imunidade do cargo (qualquer cargo torna imune um ladrão desde que tenha um cargo político ou protegido pela lei) começam os indícios do abuso de poder, da corrupção. O que emerge do icebergue na fechadura líquida do oceano da corrupção é apenas uma ninharia, se contarmos os milhões de milhões que entraram neste país e se usaram em cimento, vidro, alcatrão, tinta, em centenas de câmaras municipais, que nunca foram rigorosamente medidos, contados, pesados, contabilizados. 

Por exemplo, o voto contrário do Partido Socialista local em relação a uma inspecção das contas e deliberações assumidas durante duas décadas, denunciados por forças políticas, imprensa, e que são do foro público, com custos que pesam sobre os contribuintes, não são o exemplo de que a má consciência se esconde na impunidade da lei?

Os casos que alguma imprensa denuncia da ligação dos negócios com a política e envolvem Câmaras e políticos não são semelhantes aos que o PCP ou o Bloco de Esquerda têm apontado à Câmara de Torres Novas?

A imprensa regional está, como a nacional, cheia de casos, no mínimo, estranhos, para lhes não chamar pior, que a lei está atenta e, em vez de investigar como deve, pode acusar-me por má fé. Não diz que é ela, a justiça, que tem as mãos atadas pela lei. Pelo contrário, com salvaguarda da mesma lei, pode vir a acusar-me do que ela não cumpre. E deixa o corrupto, não só livre, como ressarcido da ofensa da denúncia.

Conheci na minha já longa vida de cidadão português o suficiente para compreender em que se transformou este país, décadas depois duma revolução que o povo e alguns capitães e oficiais, sargentos e furriéis milicianos, quiseram como democrática. Um país estruturado em três efes, desde a tomada salazarista do poder, na década de trinta do passado século: Fátima, futebol e fado. Três formas de domínio da mentalidade nacional, em visão hoje democraticamente revista, reflectida, retocada, a permitir que um Comissário Europeu não eleito anuncie o que lhe é óbvio: A Assembleia da República Portuguesa não tem autonomia para reverter as decisões de Bruxelas.

À atenção do Sr. Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para que se não esqueça de dizer o que pensa dessa menorizarão ofensiva do poder constitucional que, hoje, jurou defender.

10 de Março de 2016
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Actualizado em ( Quinta, 10 Março 2016 23:25 )  
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