Europeus sem Europa
Para quem sempre identificou a Europa com a Cultura e o Humanismo, é difícil perceber que países são estes, tão próximos dos guetos de Varsóvia e dos campos de concentração nazis. Uma Europa que se define pelo mercado e não pelas pessoas, a quem interessa sobretudo a saúde e a riqueza dos banqueiros a troco da exploração, do servilismo e do medo das populações.
A reacção sobre a Grécia, duma Comissão Europeia, ao ameaçá-la (uma vez mais) de lhe fechar as fronteiras, para impedir a passagem, através deste país, das correntes de refugiados da África e do Médio Oriente, enoja. Que deve fazer a Grécia: afundar os barcos? Impedi-los de acostar às ilhas e território grego?
Uma Europa que se fecha dentro das fronteiras, subtrai dos dedos e dos bolsos dos refugiados os escassos bens que conseguiram transportar na sua fuga à guerra, ao ódio, o que a diferencia dos roubos nazis dos bens dos judeus (e não só) na 2ª guerra Mundial?
O racismo tem proliferado, no Norte, no Centro e no Leste europeus, como uma vaga monstruosa, num regresso à primeira metade do século XX, como se o colonialismo com que enriqueceram os seus capitalistas, industriais, financeiros, políticos (e não só), se construíram as suas multinacionais, não fosse a causa fundamental do radicalismo fundamentalista árabe! A política de genocídio perpetrada pelos Estados Unidos no Iraque, na Síria, no Líbano, em defesa dos interesses das empresas petrolíferas e dos negócios associados ao tráfico de armas, com o apoio dos interesses financeiros europeus, protegendo o fundamentalismo radicalista judaico e os xeques fundamentalistas da Arábia Saudita, que assentam o impudor do seu governo anti-liberal nas reservas de petróleo do seu subsolo, pode ser encarada como uma conquista civilizacional da democracia?
O Mediterrâneo, ao longo dos séculos, foi sempre O Eldorado da antiguidade. Através dele, avançaram, o comércio, os exércitos, as religiões. Mas o seu cofre aquático é um túmulo de povos e civilizações!
Dominá-lo, foi sempre o sonho duma Europa, que, através dele, rapinou, matou, traficou, escravizou, numa mão a cruz, na outra a espada. No século XX, após a 2ª Guerra Mundial, cedeu a sua defesa À Nato e aos porta-aviões americanos, símbolos de que Hiroxima e Nagasaqui podem ser repetidos em qualquer continente. Os interesses das multinacionais americanas na África e no Médio Oriente, impuseram à Europa empobrecida a invasão do Iraque, como no passado a do Afeganistão, ou o uso do napalm na do Vietnam.
Nos últimos anos, a vida humana, nessas regiões, deixou de ter valor. Fazem parte das estatísticas trágicas que enchem os estudos das Comissões especializadas das Nações Unidas, onde os números e as percentagens disfarçam a sua origem: o sofrimento das populações, obrigadas à fuga, ante a violência que caiu sobre as suas pessoas e lares, transformando-os em párias esfomeados, agredidos, violentados, escarnecidos e esquecidos.
Envergonha-me esta Europa dos resíduos de lixo radioactivo sob a capa turística dos monumentos, das artes, do património, do progresso científico e tecnológico E se pessoalmente a não temo, preocupa-me que futuro é permitido aos filhos e netos dos seus povos, hoje encostados à parede do medo e do terror, com governantes a fazerem renascer nacionalismos pré-ditatoriais. São eles, os vendedores das pátrias e dos povos, os homens sem nome e sem rosto acima das leis que fabricam mas não cumprem, os vendilhões de todos os templos, em nome sempre da única lei, religião, pátria, que defendem - o seu bolso.
Esta Europa não pode continuar, não continuará, acredito, por muito tempo. Ruiu, quando transformou a solidariedade em chicote, a democracia em privilégios duma minoria, a ética em corrupção e compadrio, a política em algo de inenarrável, onde os direitos do homem e do cidadão foram transformados em nome da ganância e da avareza, com o controlo dos meios de informação, em guetos nacionalistas onde a suspeita e a histeria alastram como os perigos reais do aquecimento global.
As quintas colunas do lapelismo emblemazado, herdeiras dos negreiros de outrora, protegem-se, bajulando os burocratas de Bruxelas, viciam-se nas drogas do poder absoluto que lhes advém do controlo das regras da economia, política, religião, sociedade.
É uma outra Europa, diferente da das populações dos países, que nada tem com os seus anseios e necessidades.
Nós, os condenados da terra, os refugiados dentro das nossas fronteiras, os solidários das civilizações, os tratados como gente inferior e dispensável, somos outra coisa - Europeus doutra Europa. Mais justa, mais igualitária, mais fraterna, mais ética. Uma Europa que reponha de novo o que tem sido destruído pela burocracia e a política dos interesses - a democracia.
4 de Fevereiro de 2016António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt