A alternativa parlamentar é um direito constitucional
Regresso ao 25 de Abril, 40 anos depois. Seria hipócrita se não escrevesse que me sinto muito feliz com a derrota da coligação Passos Coelho/ Paulo Portas. Acompanhei nos dias 9 e 10 do corrente a maratona do debate da Assembleia da República um debate de surdos, entre o centro-esquerda e a esquerdas do BE, Verdes e PCP por um lado, do outro uma coligação da direita liberal, que substituiu, na sua estrutura ideológica, Sá Carneiro e Freitas do Amaral, por uma amálgama de interesses financeiros e industriais, que se entroncam plenamente nas ideias dum Marcelo Caetano, dum Kaulza de Arriaga, ou dum general SpÃnola. Quando ouvi, da boca dos representantes da coligação, em relação à s esquerdas, falar de ilegitimidade, de golpe, de ilegalidade, fiquei com a sensação do renascimento da maioria silenciosa do 28 de Setembro e do 11 de Março, com a moca de Rio Maior, o assalto e destruição, no Norte e Centro, arrebanhados por ex-pides e ex-legionários em busca de desforra, das sedes dos partidos de esquerda, com os militares da extrema-direita de Kaulza de Arriaga, espantalho dum Pinochet português capaz de abrir Tarrafais e criar novos centros de tortura e extermÃnio, empurrando SpÃnola a uma aventura, essa, golpista, que o obrigou ao exÃlio sob proteccionismo espanhol.Â
De 11 de Março a 25 de Novembro, as esquerdas socialistas e comunistas, ante o gozo das direitas marcelistas da ANP recauchutadas em neo-liberais, colocaram em cima e por debaixo da mesa, todos os azedumes, os diários de raivas, frustrações, caminhos ideológicos, inclusive questões pessoais. A social-democracia, sentindo-se encurralada, foi-se esbatendo num neo-liberalismo difuso, onde começaram a ressurgir, influenciando decisivamente os interesses das famÃlias que, antes de Abril, abocanhavam com salários baixos, proteccionismo do Estado, controlo da informação, perseguições polÃticas, censura e polÃcia polÃtica, os bens nacionais1.
O 25 de Novembro, se encerrou um capÃtulo tumultuoso da história portuguesa contemporânea, conhecida pelo PREC, com o recuo polÃtico, prudente e pragmático do PCP, ante um aventureirismo radical, sem bases, nem apoios, das extremas-esquerdas utópicas, abriu também, em nome do capitalismo liberal, caminhos para a manutenção e agravamento das desigualdades sociais, a recuperação pelas antigas famÃlias protegidas do antigo regime dos bens nacionalizados, dividiu o paÃs entre privado e público, permitindo que o primeiro se assenhoreasse das riquezas nacionais, através da dependência do poder polÃtico do poder económico.Â
Ser ex-ministro, ex-secretário de Estado, transformou-se, na opinião pública, no degrau para a administração das empresas monopolistas que se defenderam nos gabinetes ministeriais e nas reuniões de governo, quer centrais, quer distritais e /ou regionais, quer municipais. O socialismo democrático foi metido, por Mário Soares, numa gaveta, donde o próprio, nos seus últimos escritos, dezenas de anos depois, o tem pretendido tirar.
O ingresso de Portugal na Comunidade Europeia avolumou o regabofe das desigualdades a um ponto ainda hoje difÃcil de descortinar. Em nome da liberdade e progressos democráticos, criou-se um paÃs entregue à vampirização absoluta dos bens nacionais, a troco de ilusões de crescimento e vida fácil, que o Euro publicitava. Lembrou-me sempre a velha história do pedinte, que no fim da missa, se aproximava das senhoras da elite, pedindo uma esmola. A misericórdia das senhoras não as impedia, ante a má esmola que davam, de aconselharem - vejam lá não o vá gastar na taberna. Ao que o pedinte, olhando o cobre minúsculo na palma da mão, respondia de mau modo - Se calhar queriam que fosse comprar um automóvel!
A mudança passou, da alegria inicial, ao pesadelo posterior. Acentuou-se, neste longo perÃodo, com o chamado arco da governação, um divórcio profundo entre os interesses das minorias e as necessidades reais das populações. O paÃs real empobreceu, mais do que isso, foi sendo vendido a grosso e a retalho, em nome de empréstimos, para pagar os juros das dÃvidas, que os paÃses europeus, pelos órgãos comunitários, lhe foram cedendo. Portugal foi transformado num mercado de servos obedientes e resignados, controlados pelo medo da perda do mÃnimo dos seus direitos essenciais, como famÃlia, casa, emprego, qualidade de vida.
Isto não se esquece. Obrigou a lutas difÃceis, a pequenas vitórias que, somadas, conduziram aos dias históricos da queda da coligação de direita liberal ao serviço dos interesses do capitalismo nacional e internacional, na Assembleia da República.
Declarar ilegÃtimo que se deite abaixo um governo de direita, que praticou e iria praticar uma polÃtica de continuidade da exploração da pobreza a favor da minoria de famÃlias que detêm o poder real neste paÃs, - quando a maioria parlamentar é contra esse programa -, tentando manter os seus privilégios e boys através do chamado arco da governação, obrigando o PS a ser-lhe muleta, a troco duns rebuçaditos de Ministérios e Secretarias de Estado, administrações em bancos e fundações (como costuma ser hábito), não me espanta.Â
A esquerda parece ter, entretanto, aprendido que, desunida, nunca atingirá os objectivos da democracia social. A direita só governou, desde a 1ª República em Portugal, pela incapacidade das esquerdas dum projecto essencial comum, que pensasse mais no colectivo e no destino do paÃs, que nas divergências que normalmente existiam. E quero acreditar que os actuais acordos entre os partidos têm pernas para andar. E desejar que a transparência, em polÃtica, em administração pública, se torne quotidiana, a justiça ganhe autonomia e dignidade para que a corrupção se não transforme no que até agora tem prevalecido - numa absolvição das elites e na penalização sistemática dos mais fracos.
É um caminho difÃcil, reconheço-o, mas onde os desacordos não podem superar os objectivos essenciais - dar dignidade a um povo. Não existe, à esquerda, mais nenhuma alternativa no Portugal e Europa contemporâneos. E pode-se alargar essa aliança a outras formas partidárias e movimentos que, fora do Parlamento, há muito, defendem esse caminho.
Felicito O PS, o PCP, O Bloco de Esquerda, os Verdes, neste momento em que se reinicia um novo caminho para um governo socialista, com apoio parlamentar dos partidos à sua esquerda. O meu voto, a minha voz, a minha palavra, apoiam integralmente essa mudança.
1- Louçã, Francisco, Lopes, João Teixeira. Costa, Jorge, Os Burgueses, Bertrand Editora, Lisboa, 2014.Â
12 de Novembro de 2015António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt