RTP. Memória?
Este é um sítio de memórias? Pois bem. Nota prévia: quando escrevo isto foi ontem que me revi. Um concerto na RTP Memória, no Auditório Europa (que já não existe, claro...), repleto de gente e com muitos riachenses que reconheci.
A RTP de vez em quando relembra e descobre estas relíquias. Então, foi dia de lembrar e olhar no tempo. Rever o Veríssimo, que foi meu convidado. E hoje, por todas as terras onde fui neste nosso planeta, muitas pessoas olhavam para mim com um olhar de cumplicidade e de saudade ao mesmo tempo.
Uns manifestavam-se outros sorriam apenas. Sim. Passaram 31 anos daquele Pedro Barroso de ontem. Hoje é outro, seguramente mais maduro, menos explosivo, mais sentado.
Mas de facto, apesar das poucas ou nenhumas condições que nos davam para ensaios, naquele tempo havia iniciativa e produção de programas musicais nacionais.
A RTP convidava autores portugueses para exporem e mostrarem a sua obra. Fazia produção própria. Reunia-se uma orquestra e ia-se para a frente. Num único dia, alinhavam-se temas, ensaiava-se luz e som, fazia-se tudo. Era um susto, mas... Olha, íamos para a frente e saía sempre qualquer coisa!
E - mesmo que pouco, segundo lembro - pagava-se alguma coisa aos intervenientes. Hoje quando há convites, são sempre para actuar à borla, porque é "promocional" aparecer na TV! O artista supostamente ainda deve agradecer que se lembrem dele e curvar a cerviz.
Ora. Nesta altura do campeonato é promocional porquê? Eu quero lá saber. Não quero bombear já, nem cavalgar ondas que não são minhas. Aprendi a turbação e a serenidade ao mesmo tempo. A inquietação e a reflexão. Aprendi as artes dos homens e as suas fraquezas. Os pequenos deuses efémeros e os valores de sempre.
Aprendi a ter outro relógio do Tempo.
E tenho produzido e feito temas e depoimentos que retratam esse meu modo de entender a arte e a cultura; tão diferente do consumismo pateta que hoje tanto se vive e recomenda.
Verifico com tristeza que quase não passo nem na rádio nem na TV. A primeira, por critérios que ninguém sabe, ligados a uma política de playlists baseada nas novidades e lançamentos recentes e a uma indisfarçável hegemonia de algumas editoras; a outra por já não produzir concertos em português há muito tempo. Aproveita quando muito, os que fazemos, se estiver atenta. Ou nem isso.
Supostamente, é tudo uma guerra de audiências. Não sei. Mas programas de música - como uma vez me disse o inculto Almerindo – “não dão público”. E era ele quem mandava na RTP. Ponto. Suponho que ainda por lá se pense assim.
Resta-me no facebook e no youtube - esses novos espaços dados pela tecnologia - ainda estar patente e circular o testemunho vivo da minha obra. Recente e mais antiga. E a reacção de espanto e apoio de tanta gente que neles me dá resposta e estimulo. Milhares.
E resta também o discreto orgulho, aqui para nós, de ver que estou muito melhor acompanhado no grupo dos que NÃO passam nos média do que estaria no grupo dos que lá aparecem a toda a hora.
Há luto pela qualidade neste país. Talvez desconfiança. Autismo. E falta de memória.
Ontem confirmei: caramba, já ando nisto há tanto tempo! Tantos amigos, tantos anos de música, tanta estrada! O que faço, cada vez mais será para tentar ficar e ser intemporal. Não me interessam as modas. Portanto fico aqui, com os amigos. E com a minha consciência.
Um dia, anos 2000, disse-me um grande senhor da comunicação da altura - que hoje, por sinal, está preso:
–“Oh Pedro! Tu podias ter a carreira que quisesses mas tiveste sempre a mania de viver lá por esses sítios e assim…”
Pois. Passe o desabafo. Desculpem qualquer coisinha. Eu não disse nada disto, claro.
E gosto muito de estar aqui.