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Domingo,
03 de Novembro de 2024
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O Xico da Vaca

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Podem chamar-lhe hoje Pátio do Ti João, mas é mais seguro dizermos o nome pelo qual ficou mais conhecido. O “Xico da Vaca” abriu portas em 1985, num aproveitamento das instalações da antiga taberna de onde nasceu, e que esteve encerrada uma dezena de anos. Mas esta é a parte mais recente de uma história que atravessa pelo menos quatro gerações e que terá começado com um pequeno talho no Largo, actividade continuada e que juntamente com o comércio de gado terá sido a origem da alcunha de família.

O percurso de vida de um dos mais profícuos comerciantes de porta aberta em Riachos no século XX, com talhos, mercearia, taberna e café, foi contada pelo próprio João Ferreira Sapateiro, mais conhecido por João da Vaca, pai do Xico da Vaca e avô do Pedro Vaquita, numa entrevista a O Riachense em 17 de Dezembro de 2008. O seu talho passou por vários dos sítios onde há comércio há mais de cem anos e por onde foi passando muita gente.

Segundo o que o João da Vaca se lembrava, começou numa “casinha de renda” onde está hoje a ourivesaria, no Largo que na altura tinha a igreja da aldeia. Era ajudante do seu pai, que tinha o mesmo nome, João Ferreira Sapateiro, já então João ‘da Vaca’, dizia ele que assim se diferenciava de outros João Sapateiro que havia em Riachos. Quando já tinha 20 anos, em 1935, mudaram-se para um outro talho, que era dos Santana, entre a actual farmácia e o actual Pacheco, num edifício que veio a ser também a Casa do Povo e que hoje já não existe. Continuando a subir, os ‘da Vaca’ abriram o talho no sítio das Varetas, logo a seguir ao Pacheco, quando a velha Casa do Povo foi alagada. Com o falecimento do pai em 1944, João tomou conta do talho, mais a sua madrasta, e em 1949 fez uma sociedade com um primo pedroguense, o Joaquim Júlio, para abrirem mais três talhos em Torres Novas.

Foi em 1953, já o Xico tinha 12 anos, que se mudaram para a rua de Santo António comprando a casa de habitação dos Gaios, herdeiros de um tal de “Maneta”. À frente fez o talho e a taberna e atrás um palheiro de bois, para onde mais tarde viria trabalhar, como ajudante, um outro rapaz do Pedrógão chamado Manuel Pacheco. 

O talho foi inaugurado no domingo do cortejo da Festa da Bênção do Gado de 1953. João da Vaca fez questão que assim fosse, até porque era adequado: o cortejo é ao domingo e, naquele tempo, só havia carne ao fim-de-semana. Houve uma altura em que tiveram um segundo talho em Riachos, na rua Entre Poços, precisamente para vender às pessoas naquela zona. Porque era à saída da missa que se comprava carne, e havia as pessoas que iam para a direita e as que iam para a esquerda. Para lá ia a sua mãe, Júlia Pereira, evidentemente a Senhora Júlia da Vaca.
Menos de uma dezena de anos depois da inauguração, passou a taberna para a parte de trás do pátio, e a porta da taberna passou a ser a porta de uma mercearia, que ainda hoje ostenta os seus móveis de mercearia que hoje dizemos serem tradicionais ou que em Lisboa chamam “de bairro”. 
 
No actual restaurante vê-se a construção em cimento das pipas, onde são dispostos os copos. Numa arrecadação com porta para o pátio está a “estufa” dos enchidos onde eram fumados os chouriços, as farinheiras e as morcelas. 
Sobre a taberna, antes “não havia tanto petisco como agora”, diz o Xico. As tabernas serviam para vender vinho aos homens que iam ou vinham para o campo: “lembro-me de uma vez ter vendido 11 copos de meio litro a um homem que vinha da azeitona”. Cada um trazia o seu “petisquito” dentro de uma bolsa para beberem “dois copos de meio litro e mais uma ametade”. Mas a taberna do seu pai tinha a vantagem do talho. Às vezes lá aparecia, para acompanhar o vinho, o sangue de carneiro com sal, cozido como na fressura. Ou o caldo das morcelas, que se comia com uma pinga de vinagre. 
 
Quando falamos em talhos em Riachos, Xico avisa: era para vender porco e carneiro. Foi só quando abriu os talhos em Torres Novas é que o pai começou a trazer “um bocadito de carne de vaca” para vender aos domingos. “As pessoas o que compravam era uma farinheirita, um bocado de toucinho e um bocado de carne de carneiro… os que tinham mais posses! Na casa de muita gente não entrava um grama de carne”, lembra.
 
O matadouro em Riachos era onde mais tarde foi aberto o café Quintal, e depois passou para a curva do Casal de Vale, quase ao rio. Na década de 70 passou a haver matadouro só em Torres Novas. Mas antes, o comércio de animais passou a ser a parte mais importante do trabalho do João da Vaca. Foi para essa mesma função que o café foi feito. “O meu pai já matava muito gado e começou a levar as pessoas [vendedores de gado] ao café para negociar ali.”. Fez o café para ter um sítio mais sossegado, e também “porque começou-se a usar ter um café”. Nessa altura já matava quatro ou cinco bezerros por semana e 20 ou 30 carneiros.
 
A família tinha um nível de vida um bocado acima da média. Os três filhos foram todos estudar. O “menino Xico”, o mais velho, foi para o colégio Andrade Corvo, porque só havia liceu em Santarém, e também era para quem tinha algumas posses. “Eu já fui estimadinho… não era gente rica, mas vivíamos um bocadinho melhor”, diz.
 
Estando os filhos já noutra vidas, teve de vir o Manuel Pacheco, do Pedrógão, para trabalhar com os bois. Foi ficando ali por casa. Depois foi ‘promovido’ para o talho e chegou a trabalhar num dos talhos de Torres Novas. Depois de se ir embora veio o Zé do Talho, outro rapazito para ajudar.
 
A taberna do João da Vaca fechou definitivamente nos inícios dos anos 70, e o alvará foi vendido para a Brogueira. O Pacheco abriu o seu café na casa do António Antunes, “para começar a vida dele. Fechou-se aqui para ele ir para lá”, lembra o Xico. O velho balcão de tampo de pedra preta do Café Pacheco, que já desapareceu, era do balcão da taberna do João da Vaca.
 
O seu pai manteve o “Talho Económico” em funcionamento até ter mais de 80 anos, tendo fechado já nos anos 90. A mercearia esteve a ser gerida pela Noémia Oliveira entre 1979 e 1987. A Noémia vendeu lá os primeiros gelados de bola de Riachos - cuja máquina foi depois para o Franco – e o advento dos supermercados e das exigências legais sem fim acabaram-lhe com o negócio.
 
Algum tempo depois de ter deixado o banco onde trabalhou, no princípio dos anos 80, Xico da Vaca tirou licença de casa de pasto e reformulou o espaço da taberna, acrescentando aquele corredor à esquerda quando se entra. A parte do café tornou-se “a casa do meu pai, era onde ele estava mais o Manel Castelo e mais o Xico Girassol e outros amigos dele”.
 
O restaurante na origem era mais “apetiscado”, diz. Orelha, rim e outros petiscos feitos pela Beatriz. Só às vezes é que se fazia o cozido, borrego e cabrito assado no forno, arroz de tamboril entre outros, mas a casa formou-se rapidamente, com clientes que duram até hoje.
 
O Pedro ‘Vaquita’ era júnior do Atlético quando o pai abriu o restaurante e não trabalhou em mais lado nenhum. Substituiu a sua mãe à frente da cozinha há três anos e hoje é o patrão da casa. Os valores seguros da sua oferta são bem conhecidos pelos seus clientes de toda a região: o sabor da comida caseira, as carnes frescas grelhadas, o cozido, o bacalhau à minhota, os rins, as batatas fritas ou o pudim. Na cozinha ainda tem por vezes a ajuda da Maria Emília ‘Tamanqueira’. Mas além da comida e do espaço é a simpatia e a relação com os clientes que caracteriza o ‘Xico da Vaca’, outro valor seguro que quem lá vai conhece bem. Há muita familiaridade e é ver os clientes a andar à vontade dentro do restaurante e do café, como se fosse a sua casa.
 
Pedro tem um objectivo simples para o futuro do estabelecimento: “não mudar muito”. Mas mesmo sem mudar muito, congemina uma ideia para dar utilização ao edifício da frente, onde estava o talho, a mercearia e a casa do avô: abrir uma residencial.
 
Pedro ‘Vaquita’ tem uma ideia para o futuro do restaurante: «não mudar muito»
 
As tabernas eram para vender vinho. Francisco Ferreira lembra-se de uma vez ter servido onze copos de meio litro a um homem vinha da apanha da azeitona. Foi há mais ou menos 60 anos
 
O João da Vaca teve vários talhos. Quando foi para a Rua de Santo António era assim: ele no talho e na taberna e a senhora Júlia na mercearia. Na fotografia estão em Dezembro de 2008
 
Actualizado em ( Quarta, 28 Janeiro 2015 22:52 )  
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