o riachense

Terça,
23 de Abril de 2024
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António Mário Lopes dos Santos

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A liberdade que a ignorância traz pela coleira

Depois do 25 de Abril de 1974 convém não duvidar um momento sequer da liberdade de imprensa. Mesmo quando esta, por razões de subordinação aos poderes económico e político, esquece os deveres para com a opinião pública. Há locais, como os canais televisivos, cuja memória anda muito próxima do Alzheimer. O leitor não o sente?

Procure, no intervalo dos anúncios, saber do país. Encontra um sem número de concursos e telenovelas, as primeiras oferecendo prémios e dinheiro, desde que telefone (há um preço x por segundo, mas que importa?). Seguem-se anúncios no intervalo, muitas palmas e gente feliz com é devido nas empresas televisivas. Por detrás, os cartazes sorria, bata palmas, silêncio, controlam ao minuto o ser-se assistente de programas do género.

A informação guarda-se para os telejornais. Portugal é assim como a história diária do Correio da Manhã, nos telejornais. Começa por um crime de violência doméstica, um assassinato, mais uma vitória contra os traficantes de droga. Segue-se futebol às carradas, discursos de treinadores, os golos do Ronaldo. Segue-se a política lusa: a visita de Passos Coelho a uma empresa exportadora, a de Relvas a vender o país no México, na China, no Brasil, em Angola, ou Moçambique, quando há muito que o dito está comprado pela bota ferrada da pangermanismo. Também, no intervalo, aparece o Durão comovidíssimo por ter sido condecorado pelo presidente da República numa sessão muito concorrida por tudo quanto é centro direita e lambedores de selos das cartas do poder. Seguem-se mais algumas imagens de turistas, ou da chuva, ou do sol sobre Lisboa, ou do cada vez mais crescente estado de euforia em que o Terreiro do Paço e Belém vivem nas suas intervenções inaugurativas ou a fingir de tal. 

Em certos dias de benesse, um dos três canais generalistas oferece um jogo de futebol para alívio da possível tensão do espectador preso ao ecrã. Mas logo lhe impingem um qualquer comentador político que, a preço de saldo, se dispõe, com toda a desfaçatez aprendida na prática do desenrasca, falar do país com uma segurança e uma sabedoria que ficamos todos cientes que, do Terreiro do Paço ao Casino Estoril, passando pela casa Branca de Belém, o país está em paz consigo mesmo e, acima de tudo, é venerado, graças aos lucros dos vendedores de mercearia, por todo o mundo e arredores.

Mas, se o leitor está cansado da aspirina do bem-estar e procura saber um pouco mais do país, muda para a televisão do cabo, Há dias em que os quatro canais informativos, SIC notícias, RTP Informação, TVI 24, TV Correio da Manhã, passam o dia comentando, analisando, entrevistando, um jogo de futebol de grande emoção que, entre as 19,30 e as 21 horas, preencherá hora e meia de espectáculo da Sport TV, aquela que para se ver tem de se pagar além do que já se paga, porque futebol é, como qualquer feira, negócio de casa de penhores ou compra de ouro. Mas, depois do que não viu, se procurar notícias do país nessas quatro televisões do cabo, encontrará, em volta duma mesa, nessas quatro estações, quatro cozinhados diferentes sobre a mesma matéria-prima - o jogo de futebol que só pagando assistiria. 

Mas se o cansa este pudim de gelatina diário, e muda para os canais possíveis, os da infância, dos filmes, das séries, da música, do etc, que encontra?

 Se for amante do policial não há melhor para a aprendizagem da corrupção americana do que as séries onde o crime é analisado, dissecado, vangloriado, explicado, por dezenas de heróis impolutos dos serviços policiais americanos, onde o bem (americano) vence sempre o mal (sul-americano, mexicano, colombiano, negro, cubano). Onde a corrupção é tão visível e envolvente, que nem se percebe como senadores, deputados, polícias, continuem sorridentes e felizes, mas nas cadeias americanas são escassíssimos os representantes que se servem da pátria como de rebuçados.

Mas se isso o cansa veja pela 304ª vez o filme que lhe impingem, nos vários canais de cinema, a si que paga mensalmente para ter alguma qualidade televisiva que o 25 de Abril lhe deveria proporcionar. Ou delicie-se com as garotas do Playboy, uma espécie de sexologia mentecapta onde loiras e mamas rimam com ignorância primária. Ou, se gosta de ficção científica ou de bruxaria, desde tubarões voadores, a lobisomens de grandes dentuças e sedentos das carótidas humanas, ou mortos vivos cheiinhos de fome, é bem servido e em doses generosas como os programas de gastronomia feitos por americanos que misturam a salsicha ou o hambúrguer com um pacote de batata fritas, molho de tomate e uma lata de coca-cola, e fartam-se de perorar depois contra a fraqueza da juventude que se deixa levar pelo mau colesterol.

Como vê os problemas do país são optimamente radiografados na televisão generalista ou no cabo, que mensalmente paga a preço de mercado europeu.

Quanto à imprensa, apesar de tudo, ainda o jornalismo português contemporâneo consegue investigar sobre o que se passa em Lisboa, nos partidos e nalgum mundo. 

Mas o raio do país deve ter mudado de lugar, ou falta-lhe espaço, ou não tem interesse para um simples linguado jornalístico!

E começa a aparecer uma doença antiga, de cima para baixo, com as universidades a darem o exemplo, os jornais a dar-lhe continuidade, que é o uso, de forma sofisticada, da tesoura censória, baseada em conceitos académicos, ou cansaço de crítica jornalística séria e combativa. 

O país é livre, tanto, que até pode ir viver debaixo da ponte, sem que a informação se preocupe. Pergunte-se ao Sócrates, ao Marques Mendes, ao Marcelo Rebelo de Sousa. Eles sabem lá do que há sob a ponte. Eles são o país, o seu discurso, a sua fotografia. Depois deles, só Noé e o dilúvio. Mas isso já foi chão doutra história.

6 de Novembro de 2014
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António Mário escreve sempre às quintas-feiras em www.oriachense.pt

Actualizado em ( Quinta, 06 Novembro 2014 15:57 )  
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