o riachense

Quinta,
25 de Abril de 2024
Tamanho do Texto
  • Increase font size
  • Default font size
  • Decrease font size

O Retornado

Enviar por E-mail Versão para impressão PDF
 
Se dissermos que vamos ao Café 1.º de Maio, se calhar pouca gente saberá onde é. E ainda hoje há pessoas que chamam ao ‘Retornado’ o Café do João ‘Soisa’.
 
A fronte do edifício na rua Entre Poços exibe a data da inauguração da antiga taberna naquele local por João Sousa Figueiredo, a 22/2/1955. O alvará de café é só de 1961 e foi comprado a um homem da Brogueira, que naquele tempo não era fácil tirar novos alvarás. Algures na primeira metade da década de 1970, João Sousa teve um acidente e adoeceu. Ainda estava o dono original vivo quando passou a ser o Café da Ti Maria que, poucos anos depois, o trespassou ao actual dono, António Gonçalves (o retornado), para abrir o Tronco, na rua do Correio, que o seu filho Manuel geriu até há poucos anos.
 
Um ancião da vila afiança-nos que o João Sousa era um homem popular, de respeito e inteligente. Esta característica sobressaía no negócio, próspero e diversificado, e também na forma como geria o espaço: quando às vezes os ânimos se exaltavam havia brigas, mas “quando o João Soisa levantava a voz, a malta baixava logo a bolinha”.
 
Outros relembram as noites de quinta-feira, em que o café ficava completamente cheio de homens para ver as touradas na televisão, “no tempo do Américo Thomaz”. Como é o caso do filho, José Dias Figueiredo, residente em Setúbal, que refere que o espaço abriu como taberna, na porta situada entre a antiga oficina de sapateiro do Carlos Simões e o actual café e que hoje serve de armazém. Era ali que as pessoas iam comer e beber, em particular muitos trabalhadores e clientes dos Luzes: muita gente de fora vinha ali ao peixe. Depois passou para café e chegou também a ser talho (matavam-se os porcos nas traseiras) que, em conjunto com o João da Vaca, abastecia a vila de carne.
 
Longe vão os tempos em que os motoristas dos Luzes iam lá com a léria do costume: “dá aí um café para 100 km”, lembra José Figueiredo.
Agora, finda a época da casa de petiscos, O Retornado é conhecido pelos caracóis. “O caracol já não é o que era”, responde a senhora Rosa quando lhe perguntamos se este ano vai ter caracóis até ao fim de Setembro. Dantes, o s’Toino ia a Liteiros e a Ourém buscar o caracol, que apanhavam por lá, agora é um comerciante que o vem entregar. Apesar de a receita ser a mesma, queixam-se de que o caracol agora é magro, seco e tem pouca gordura, às vezes até amarga.
 
O actual dono é António Rosa Gonçalves, natural de Freixianda, e a mulher, Rosa Batista, é de Alvaiázere. Saíram de Angola em 1975, de perto de Nova Lisboa, na província de Huambo, onde deixaram tudo: fazendas, camiões, tractores, animais e todo o negócio de pecuária e comércio. O mundo parece ter dado uma volta completa: o filho, Paulo, emigrou há poucos anos para lá e chegou a reencontrar, no sítio onde nasceu, pessoas conhecidas dos pais. “Eu, se fosse novo? Ia-me já embora deste país”, diz António Gonçalves, amargurado pela sangria de gente que observa em Portugal.
 
Em 1975 vieram viver para a quinta da Capa Rota, no concelho de Santarém. Ali, um homem de Riachos disse-lhes que o Café 1.º de Maio estava a trespasse. ‘O Retornado’ abriu em 1977 e apanhou ainda muitos anos da vivacidade que os Luzes davam àquela zona da vila.
 
Antigamente, a senhora Rosa cozinhava petiscos todos os dias: febras, dobrada, codornizes, molhinhos, pataniscas, entre outras iguarias. Hoje é quase só os caracóis no verão e uns pastéis de bacalhau que vão servindo para ajudar a empurrar umas taças de tinto que ainda se vão vendendo. O vinho continua a ser o da casa, pelo menos até ao Natal é o que se bebe, depois disso tem de reabastecer. Na carismática mesa ao pé da porta, onde se continuam a juntar os clientes mais velhos, era frequente servir 50 taças a meia dúzia de homens numa só tarde.
 
Quando a empresa de comércio de peixe fechou, o negócio não decaiu logo. Ainda antes já tinha começado a aparecer uma freguesia diferente, com mais mulheres e famílias e não só homens, diz-nos o s’Toino. Depois, a partir de meados da década de 1990, houve uns anos em que surgiu um certo entusiasmo pelo Retornado, muita rapaziada nova sentia-se atraída pelas imperiais mais vivas do Ribatejo e pelo espírito de taberna típica. Estava sempre impecavelmente limpa, mas com o cheiro a cerveja e a vinho permanentemente a pairar. Era ali que muitos começavam as noites: “há dez anos atrás isto era um pandemónio aos fins-de-semana”, diz o taberneiro a sorrir.
 
Hoje há menos clientela, mas aos sábados e domingos à tarde, no verão, normalmente não há mesas livres, todos os dias sai uma panela de caracóis, O Retornado é um centro de atracção para o amante do caracol regional.
 
Agora, ele com 79 anos e ela com 70, acham-se velhos e cansados e desertos para que apareça alguém para pegar no negócio. Apesar de não ser propriamente uma taberna das antigas, o Retornado representa o fim do ciclo das tabernas em Riachos, pois é dos últimos espaços que ainda mantêm viva essa aura.
 

Actualizado em ( Quarta, 22 Outubro 2014 10:16 )  
{highslide type="img" height="200" width="300" event="click" class="" captionText="" positions="top, left" display="show" src="http://www.oriachense.pt/images/capa/capa801.jpg"}Click here {/highslide}

Opinião

 

António Mário Lopes dos Santos

Agarrem-me, senão concorro!

 

João Triguinho Lopes

Uma história de Natal

 

Raquel Carrilho

Trumpalhada Total

 

António Mário Lopes dos Santos

Orçamentos, coisas para político ver?
Faixa publicitária
Faixa publicitária
Faixa publicitária
Faixa publicitária