o riachense

Sexta,
26 de Abril de 2024
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Entrevista ao padre Fernando Augusto nas bodas do sacerdócio

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A paróquia de Riachos tem 94 anos, passaram por ela 14 párocos, quatro ficaram cá mais de oito anos, foi no tempo de cinco deles que se fizeram obras importantes, e três foram vigários da vara de Torres Novas. O padre Fernando Augusto Gonçalves pertence a todas estas quatro categorias e celebrou as bodas de ouro da sua ordenação sacerdotal no dia 15 de Agosto.
“Firmeza na tomada de decisões, na capacidade de confrontar os poderes e vontades instalados e pretensamente inamovíveis, no caminho traçado no combate à secularização e à hipocrisia ritual de grande parte dos homens e mulheres que se dizem cristãos”, foi como a Equipa de Animação da Paróquia o descreveu no seu elogio, na missa comemorativa dos 50 anos de presbítero, rezada no dia 27 de Outubro, a poucos dias do 8.º aniversário da sua chegada a Riachos.


O que é ser hoje em dia Padre, na relação com o mundo exterior à Igreja, com os temas sociais, políticos, económicos do nosso tempo?
O padre tem que ser um pastor, alguém que está com a vida. Nada daquilo que é humano nos pode alhear. A mim interessa-me tudo. É evidente que tenho os meus objectivos e critérios e tento orientar a minha vida pelos meus critérios, que nascem nitidamente do Evangelho. Sou um pastor da Igreja Cristã, é isso em que acredito e é por aí que há um caminho que pode ser proposto às pessoas para poderem viver bem. E é isso que me interessa. Não poderei fazer uma proposta desenraizada da vida. O próprio Papa Francisco aparece como um pastor.

Oito anos depois da sua chegada, como caracteriza a comunidade riachense?
Isso é muito difícil de fazer. Normalmente há um primeiro tempo de desconfiança e se o indivíduo diz sim a tudo, é um tipo porreiro. Mas se começa a pensar, a ver o que se passa, com os critérios pessoais, que podem ser discutíveis, começa a ser diferente.
Esta terra tem um horizonte fechado. São muito bairristas, mas este tipo de bairrismo tem os seus prós e os seus contras. Um dos contras é uma certa falta de abertura. Riachos tem muitos valores. Um deles é esse bairrismo que isola as pessoas, enquanto as pessoas apenas olham para as suas tradições, e as tradições aqui vêm de um mundo rural. Muita da formação que as pessoas têm, ou não têm, foi aquilo que o mundo rural lhes deu, e infelizmente o mundo rural não tinha grandes capacidades. Ainda hoje eu contacto com muita gente que não é capaz de assinar. Têm uma capacidade muito própria de ver as coisas, muito fundamentada numa cultura rural.
Hoje tem que haver uma outra abertura, o mundo mudou muito. A transição para o mundo industrial, da internet e da informática, é muito grande, mas nós temos uma camada de gente que ainda está a viver em critérios do passado.
Verifico que gente que tem já uma cultura actualizada, digamos assim, não vive cá. Sinto que vão para Torres Novas, para Lisboa, e de vez em quando vêm cá e escrevem umas coisas, mas não vivem cá. Mesmo para mim, como padre, o estar aqui é que é importante, porque permite-me ver como as pessoas pensam, como as pessoas reagem, o que querem. Agora, as pessoas que não vivem aqui, e que vêm cá de vez em quando, será que eles estão mesmo a acompanhar as coisas aqui? 

Em Riachos, a presença da igreja tem sido muito focada na acção assistencial. Tem, pessoalmente, algum projecto que gostava de ver concretizado?
Nunca quis que a assistência social na igreja fosse entendida como empresa de assistência social. (…) A Igreja não é para adquirir lucros daquilo que está a fazer. Aquilo que a Igreja propõe é estar ao serviço daqueles que mais necessitam.  Mas a Igreja não deveria assumir isso de ser a grande responsável pela assistência, isso é um trabalho que compete ao Estado, é para isso que o cidadão paga os impostos e que tem o direito de ser assistido. Agora, a Igreja deveria, em atitude de solidariedade, tapar aquilo que o Estado não pode fazer. Não podemos ter a veleidade de resolver todos os problemas através do Estado, estamos a verificar isso cada vez mais. 
E é o tal problema da proximidade. Quem está cá é que sabe como estão as coisas e é quem pode acudir, (…) e faz isso com maior eficácia.
Não gostaria que o Centro Social Paroquial se tornasse numa grande instituição porque quando se tem esta preocupação, a relação humana falha. Prefiro ter uma instituição familiar em que todos se conheçam pelo nome, em que funcionários e participantes da vida da casa possam viver com a família, para mim isso é mais importante do que ter um grande lar. Às tantas, essas instituições tornam-se uns caixotes de arrumar as pessoas, não é decente nem digno.
Neste momento estamos um bocado preocupados, porque esgotámos as nossas capacidades de acudir àqueles que nos pedem, não temos lugares vagos. Acabou de falecer o último membro de uma família que estava numa das residências assistidas, e imediatamente tínhamos uma família a pedir para ficar. Não temos capacidade de resposta.

Há aí um dilema. Apesar das suas expectativas, é de esperar um crescimento do Centro?
É, penso que nós temos de pensar nisso. Será possível? Bem, espaço físico não temos. Será possível encontrá-lo? Fizemos já várias tentativas de adquirir terrenos aqui próximos, mas não conseguimos, são fortunas que nos pedem e que não temos para dar. Mas precisamos de estudar isto, é possível que haja mais intervenção.

No texto de homenagem da Equipa de Animação, dizia-se que os maiores feitos da paróquia coincidem com o tempo desde que chegou a Riachos. Qual foi a sua verdadeira influência nos projectos? Eles teriam existido na mesma se o padre fosse outro?
Os amigos são sempre assim, exageram sempre. Mas não sei. Tenho a felicidade muito grande de ter encontrado aqui uma grande equipa. Gente que se dispôs a trabalhar. Se há algum mérito que eu tenha é de ter sido um elo de ligação entre as pessoas, ter estado presente e, quando eu achava que era possível avançar, não pôr entraves.
Acho que foi o produto de uma vida que se nos impôs. Tínhamos aqui o espaço do Carlena que era uma lixeira incrível. Depois tínhamos o Centro Social, em que o primeiro andar estava praticamente desocupado. Havia as antigas instalações dos escuteiros, que era uma miséria, chovia por todos os lados. Esta casa [do pároco] era enorme, eu sentia-me aqui uma mosca perdida. (…) A equipa começou a pensar nisto tudo e foi aí que nasceu o projecto, as coisas impuseram-se. Não foi uma criatividade nossa, como se não houvesse nada. 
Agora, se surgirem outras hipóteses, logo veremos. Até pode acontecer que venha um outro colega meu com mais energia. 

Mostrou desde o início posições vincadas face aos moldes da Festa da Bênção do Gado. O que mudaria?
É um tema muito complicado. A Bênção do Gado nasceu da Igreja, numa situação rural do passado, quase de Idade Média. (…) A minha grande interrogação é esta: tudo isto pode ser criticável, mas é bom que a gente entenda o que é religião e o que é fé. A religião é uma procura do homem diante de forças que não conhece, sente-se pequeno e então tenta ver se consegue pôr essas forças da natureza ao seu jeito. A religião nasce do próprio homem. Há muita gente que não acredita em Deus mas é capaz de andar com uma ferradura pendurada no tractor, é um supersticioso nos dias 13 e nas sextas-feiras, os jogadores entram no campo da bola e fazem uma garatuja a imitar que estão-se a benzer… não fazem isso por uma atitude de fé. No fim de contas, é pôr Deus ao serviço do homem. 
A fé é Deus que nos dá, quando ele vem ao nosso encontro, é a resposta do homem consciente a Deus. Muitas das coisas que aconteceram na Idade Média são um bocado tipo religião. O marxismo fez exactamente a crítica a essas atitudes de religião, em que o homem aparece como um coitadinho, Deus o dominador: «tu fazes aquilo que eu mando e acabou». Criou esse antagonismo entre Deus e o homem, e Deus aparece aqui como um empecilho para a liberdade do próprio homem. 
Penso que a Bênção do Gado nasceu nesse contexto. Aquilo que é hoje a Festa da Bênção do Gado estará em condições de sobreviver? Numa cultura da industrialização, moderna, do racionalismo… a geração nova não vai em atitudes desse género. Não sei até que ponto a Bênção do Gado terá pernas para resistir a tudo isso.
Porquê benzer os animais? Hoje existem os veterinários e os medicamentos para resolver os problemas dos animais, não é a bênção do padre que vai resolver isso.

O que se faz é a transposição da tradição para os dias de hoje, em moldes de festa local. Agora são os tractores que são benzidos.
E isso é um acto religioso? É por isso que a mim custa-me muito fazer isso. Eu acho que as pessoas podem fazer festa, e devem. Mas eu não gostaria muito de misturar tudo, aquele espectáculo de estar ali a deitar água benta para cima dos tractores e das camionetas… custa-me muito. Faço-o por uma atitude de não querer entrar em guerra, em violência, com a situação.
Já foi bom eu ter trazido o momento da bênção aqui para o adro da igreja, que é o seu lugar. Não era lá em cima no meio dos cafés, com a malta a beber cerveja, que tinha ambiente para fazer alguma coisa a sério. Se eu acredito nas coisas, não posso estar a fazer de palhaço. A minha relutância é essa.
Ninguém impede as pessoas de reviverem o passado, não tenho nada que estar a impedir isso. Agora quando me pedem um acto religioso, eu procuro fazê-lo dentro daquilo que a igreja entende que é a fé. Será mau haver aqui um casamento entre a festa, o folclore e a parte religiosa? Desde que ele seja consciente, não acho que seja muito mau.

Mas acabar com essa parte religiosa do cortejo?
Há aqui coisas que são diferentes. Por exemplo, o cortejo que chega à entrada de Riachos com a imagem do Santo Cristo é um cortejo que tentei valorizar, aquilo não é uma manifestação dos políticos. O presidente da Câmara na altura ficou muito chateado comigo porque eu disse que íamos começar a procissão religiosa com a presença da imagem do Santo Cristo. Ele levou aquilo como uma crítica à sua presença. Eu disse que não era, que se quisesse ir, não era para ir num lugar de proeminência. Esse lugar é para o padre, que preside, e para a imagem do Santo Cristo que a gente respeita. Há sempre esta ambiguidade. A gente tem de saber viver com a ambiguidade, não posso ter aqui uma justiça salomónica, cortar e pronto.
Eu gostaria muito que quem promove este tipo de festa, que tivesse esta consciência. No primeiro ano, ninguém me consultou sobre nada. Chegaram aqui na véspera e disseram: «o senhor tem que fazer isto e isto». (…) Foi este o meu primeiro impacto. Eu disse: «não pode ser assim, até porque tenho de pedir autorização à diocese». Tentei pôr os acentos nos ii, naquilo que era minimamente desejável fazer.
Agora há um certo equilíbrio, mas não desistirei, naquilo que é a parte religiosa, de a fazer com critério e com verdade. A gente não pode sair da atitude fundamental do homem que é a verdade das situações. Andar a fazer de conta… muito menos no campo religioso. Ou somos verdadeiros ou então não vale a pena.
Vocações sacerdotais: tem sido difícil encontrar novos padres. Em Riachos, há muito tempo que não há um padre de Riachos.
Há o padre Carlos Ramos, houve o padre Matos, que foi meu professor, um homem extraordinário.
A democratização do ensino é do nosso tempo. De certa maneira, antigamente, o seminário era a maneira que a população mais pobre tinha para estudar. Aqui também houve vários alunos. Eu recordo-me quando entrei como aluno, éramos cento e tal no primeiro ano. E ficámos uns quinze. Havia mais padres porque entrava mais gente, mas também iam ficando muitos pelo caminho.

No futuro vai ser difícil encontrar padres para todo o território.
O futuro é sempre imprevisível, e muito mais na Igreja. Só Deus é que sabe. Temos que encontrar formas. É muito possível que a gente vá descobrindo outras formas de estar, em vez de os padres se ocuparem de imensas coisas, de se ocuparem só daquilo que cada um pode fazer e deve fazer, distribuir tarefas. 
Estão também a falar agora muito nas unidades pastorais. Quando eu comecei houve colegas que estavam em equipa, com a possibilidade de viver em grupo e irradiar para outros lados. Essa foi uma experiência que por acaso não deu grandes resultados. E hoje creio que são poucas presenças desse género. Possivelmente por causa de um certo individualismo que está muito na vida social actual.

Essas unidades pastorais seriam concentrações como as uniões de freguesias, por exemplo?
Sim, por exemplo a cidade de Torres Novas, é bom que tenha uma certa unidade, por isso é que tem agora dois padres com responsabilidades das quatro paróquias da cidade. Vivem em casas separadas mas têm um projecto comum, e acho muito bem.
Porque hoje, até nas grandes cidades, as pessoas não estão agarradas a um território com fronteiras, limitadas por aquilo a que a gente chama a paróquia, mas deslocam-se com muita facilidade. A gente vê isso aqui, quem não pode ir à missa ao domingo, vai a Torres Novas às horas que lhe dá maior conveniência. Hoje há uma maior mobilidade. Eu sobretudo tenho pena das aldeias, porque nas aldeias as pessoas não têm recursos para se deslocarem com facilidade aos grandes centros.
Às vezes o padre pode ser entendido como um funcionário que vai ali despachar um serviço ao domingo e passem bem que eu venho cá daqui a oito dias... Não se chegam a conhecer as pessoas, não se chegam a estabelecer relacionamentos, penso que hoje é fundamental - não apenas na vida da Igreja - a relação humana. Se não houver entre as pessoas uma relação humana feliz, não temos sociedade feliz. 

Aos 74 anos, pensa em aposentar-se? Ou por outro lado, pensa que ainda pode ser nomeado para outra paróquia?
Isso é uma pergunta a que eu tenho muita dificuldade em responder. Para fazer o quê? Eu não sei o que vai ser a minha saúde, já tenho algumas dificuldades. Eu dizia que nós devíamos estar numa paróquia 10, 12 anos, e mudar. Estive numa 19 anos, noutra 14 anos e agora estou numa há 8 anos. Com a idade a avançar começa-me a assustar ter que andar com a casa às costas como o caracol mais uma vez. 
Já não tenho a idade que tinha quando fiz esta zona toda daqui, Alcorochel, Brogueira, Casével, Parceiros, vinha dar aulas à Maria Lamas, à Andrade Corvo. Hoje, já não sou capaz de fazer directas. Mas gostaria de não deixar de trabalhar. Quando eu me aperceber que já não estou a funcionar como deve de ser, com dignidade, vou-me embora, peço para sair e naturalmente encontrarei depois alguma coisa que fazer. Se tiver ainda algum jeito para fazer alguma coisa, talvez pudesse ainda ajudar nas paróquias onde estive, pôr-me à disponibilidade do colega para ajudar. Por exemplo, na paróquia de Almada, onde fiz a missa nova, ou na paróquia dos meus pais. 

O regresso é uma coisa que o atrai?
Não é tanto pelo regresso, é mais pela gratidão pelo que recebi nessas situações. Eu gosto muito de ir à serra, para mim é um prazer. 

Fala-se muito na influência dos Papas. Adequa a sua pastoral de acordo com os temas papais?
Tenho simpatia com o Papa Francisco, como toda a gente tem. Mas sou um bocado racional nestas coisas, como em tudo. Gosto de ver a continuidade das coisas.
Ele não diz coisas novas, a questão não está nas coisas que ele diz, mas na forma como as diz. Muito possivelmente a sua capacidade de comunicação é mais condizente com o estado actual do nosso mundo. Eu penso que ele tem uma formação e uma cultura europeia, é jesuíta, estudou cá. Mas depois tem uma experiência latina. Possivelmente esse casamento entre cultura europeia e experiência pastoral latina dá esta forma de comunicar e de estar. 
(…) Eu gosto de esperar um bocado mais. Agrada-me o que ele diz, é um homem directo e simples naquilo que diz, a sua própria forma de viver e as reformas que já fez (…), o facto de não ter ido residir para os aposentos do Vaticano, enfim todo um conjunto de pormenores, que são pormenores mas que são significativos.
Se eu me aproximo disso? Acho que sim, a minha vida tem sido uma vida de simplicidade, sou filho de uma família pobre e tenho vivido com a dignidade que me é possível viver. Portanto agradam-me as propostas do Papa, acho que são uma resposta de Deus às situações actuais.

Actualizado em ( Quarta, 13 Novembro 2013 16:21 )  
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