A crise aponta sempre para a saída da crise
Escrever no último dia do ano de 2011 do calendário cristão da civilização ocidental é como ir à bruxa. O que vai ser 2012?
No café onde um grupo de amigos se costuma encontrar o tema era bem mais a sensação da tragédia que se instalou neste país.
Já nem se aponta o dedo aos neo-colonialistas regressados ao poder político em Portugal, com uma vontade de ressuscitar o tipo de democracia com que desejavam funcionar nas colónias – eu sou de primeira, tu de segunda, o meu país é onde eu te permito trabalhares para a minha dignidade e riqueza. Eu sou arquitecto, eu sou engenheiro, eu sou médico, eu sou político, eu sou economista, eu sou gestor, eu sou bispo, eu sou coronel, eu sou ministro, eu sou financeiro, eu sou empresário, eu sou analista. Tu és alguém, outra pessoa, diferente, de quem necessito para me servir, trabalhar nas minhas fábricas, nos meus bancos, nas minhas minas, servir nos meus exércitos, ajoelhar e resignar-se nas minhas igrejas, a troco dum salário escasso, mas suficiente para não transformares o sofrimento em ódio, a ferramenta em arma, o conformismo em revolta.
Em suma, a maçonaria a que me liguei, e que me levou ao parlamento, aos ministérios, às presidências camarárias, às administrações empresariais, bancárias ou financeiras, nunca permitirá que a esperança duma vida melhor, dum futuro mais justo, se imponha entre os meus desejos e os teus interesses.
Evitarei que essa epidemia dos indignados, que lavra como um tsunami nos mundos ocidentalizados, alastre neste país do sul, onde nem sequer és necessário, se emigrares melhor, se morreres libertas um subsídio, a despesa do tratamento num hospital sem condições.
Há tantos pedintes a quem usar por um preço baixíssimo, basta mantê-los com a sopa dos pobres da caridade, basta embrulhá-los na antiquíssima teia da misericórdia, é uma precaução que se atinge com uma vacina sistémica: muita fé, muito fado, muito desemprego, muita escassez, muita ignorância, muita manipulação informativa, muita corrupção.
Há sempre uma desculpa para os nossos actos. Chama-se Troika. Mercados. Pagamento da factura que o PS assumiu com o FMI, e nós concordámos..
Sair deste plano engendrado pelo centro-direita neo-liberal português de tradição marcelista/corporativista, em nome dos mercados, que não são entidades abstractas, mas nomes de financeiros e agiotas e banqueiros reunidos num objectivo de predomínio comum, o domínio das matérias primas, dos bens, das sociedades, dos governos, das almas, e são como viúvas negras nas suas teias sensíveis ao menor cheiro a rapina e carniça, rodeados de servidores políticos das múltiplas ideologias das pátrias onde a humanidade se transformou em marionetas de uso e abuso, que se escudam em leis que os defendem de qualquer acusação, não é nada fácil.
Nunca será fácil, nem simples, nem pacífico, mudar de caminho, quanto mais se adiar uma ruptura com tudo o que inferniza a vida, e que, por preguiça, por comodismo, também por interesse imediato, se ajudou a construir.
O céu e o inferno nunca existiram fora de nós. O seu grau, a sua esperança, a sua força, a sua amplitude, a sua intensidade, dependeram sempre das nossas opções, das nossas ambições, dos nossos descaminhos.
1912 talvez traga mudanças políticas a favor de sociedades mais justas, limitando e eliminando privilégios das minorias parasitárias, que do Ocidente ao Oriente, do mundo capitalista ao que se intitula comunista, vivem num plano, num nível, num horizonte, como deuses de Edens bíblicos, donde afastaram a humanidade que, enternecida, devota, humilhada, os alimenta.
Mas tais mudanças não acontecem como poeira que o vento espalha. Ou se agarra na vassoura, ou o pó não sai das salas onde se acumulou, por deslize ou incúria de quem, com tanta ideologia, se esqueceu de olhar onde punha os pés.
Às revoluções em curso, que, em nome e sob influência dos mercados, das empresas de notação americanas e da banca alemã e do lambebotismo francês, vão subjugando as democracias na Europa, com governos a cumprirem as leis das mais valias contra os seus próprios povos, com governantes ao serviço dos banqueiros e dos especuladores, criando dois mundos, o do Paraíso das elites e o do Inferno dos restantes, é preciso opor de vez a indignação, dar às palavras o uso da acusação, à vida o sentido da recusa.
A servidão social parece ser uma das intenções que as associações empresariais intentam retirar dos arquivos do tempo para conseguirem o que a China ou a Índia conseguem, à custa do trabalho em troca dum punhado de cereais de segunda, ou a espoliação que a América procurou no Vietname, no Iraque, no Afeganistão, na Venezuela, em nome da democracia neo-liberal dos seus especuladores financeiros, que criaram Pinochet, um entre tantos ditadores ao serviço da CIA que conduziram a uma máxima na América latina, sul-americana: «tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos».
Que 2012 seja esse tumulto nas consciências e nas decisões colectivas por um mundo diferente e mais humano, socialmente mais justo, com mais diálogo e compromisso entre as esquerdas para uma alternativa europeia, a dos seus povos, são o meus voto e o meu lugar.
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